terça-feira, 21 de dezembro de 2010

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Deus repousava na manjedoura





Há algum tempo, intrigado, comecei a questionar porque Jesus Cristo escandalizou fariseus, saduceus e doutores da lei. Nenhuma novidade me ocorreu: há séculos os judeus aguardavam o Messias. Eles viviam na expectativa política de que um Ungido se levantaria em nome de Deus. Nos setores mais politizados, o Messias viria como o grande libertador – uma encarnação melhorada e glorificada de Moisés; um Dom Sebastião dos tempos antigos. Para segmentos religiosos ortodoxos, o Messias chegaria para renovar os princípios da Torá. O cumprimento da Lei representaria uma renovação espiritual que resgataria o povo para um novo tempo.




Mas além dessa grande espera, Paulo também diz que Jesus foi loucura para os gregos. O Nazareno se revelou um retumbante fracasso porque nunca deixou colar nele as expectativas judaicas e depois, nem as gregas, sobre as ações da divindade. Via-se claramente que em Jesus Deus não se parecia com o Movedor Imóvel de Aristóteles. Ele colocava teologia e filosofia de ponta cabeça.



Se o Deus dos fariseus zelava pelo cumprimento estrito da lei, Jesus a tornava flexível pela misericórdia. Quando perdoou a mulher apanhada no próprio ato do adultério, deixou claro que o poder do amor dobra a rigidez da lei: “Onde estão os teus acusadores. Eu não te condeno, vá em paz e não peques mais”. Nos casos da siro-fenícia, do centurião romano, da “impura” devido a uma menstruação crônica, do endemoninhado gadareno, do cego da calçada, fica claro que qualquer um pode aproximar-se de Deus sem exigências ou protocolos religiosos. Quando Jesus estava por perto, esvaziava-se a ideia de “não-eleito”.



Jesus não comparou Deus a um fiscal punitivo, mas a um pai machucado. No alpendre, enquanto espera a volta do filho perdido, os olhos úmidos do pai eram os olhos de Deus. Sim, mesmo desolado, o velho corre ao encontro do filho sujo, mal cheiroso e o cobre de beijos.



Ricardo Peter intuiu corretamente o porquê do ódio dos fariseus contra Jesus:



Os fariseus começaram a perceber que Jesus estava mudando radicalmente a maneira de entender quem é Deus. Este Deus teria podido provocar confusão e dispersão entre as pessoas religiosas. O comportamento do Deus anunciado por Jesus, do Deus que demonstra um amor incondicionado pelos pecadores, começava a colocar o Deus dos fariseus na sombra. Tinha início uma luta de ‘Deus contra Deus.



A religião judaica antecipara um Deus mais forte que os antigos baalins, que causaram tanto problema. Jesus andou na contramão, ele tomou sobre si a fragilidade dos serviçais. Os conteúdos de sua causa não lidavam com poder, mas com serviço. Os tempos exigiam um líder que convocasse exércitos com a força letal superior às legiões romanas. Mas o Galileu preferia colocar uma criança no colo e dizer: “Dos tais é o Reino de Deus”.



A ambição era posicionar Israel como nação líder. O messias, certamente, vingaria séculos de opressão impostos por egípcios, persas, gregos e romanos. Mas eis que ele abriu o rolo da lei numa sinagoga e leu: “O Espírito do Senhor está sobre mim e ele me ungiu para pregar boas notícias aos pobres”. Se um homem assim, radicalmente humano, comprometido com a escória do mundo, se dizia a expressa imagem de Deus, tal homem precisava ser assassinado. Um Deus fraco não servia aos interesses da religião – como ainda não serve.



Além desta enorme decepção entre os semitas, os gregos também se horrorizaram. Se Deus encarnou assim, como sustentar as ideias de Aristóteles? Jesus não se assemelhava em nada com o conceito de Deus como “Ato Puro” ou como “Motor Imóvel”. O Rabi de Cafarnaum se movia de “viscerais afetos” por uma viúva a caminho de enterrar o filho, chorava diante da sepultura do amigo (a dor de homens e de mulheres dói em Deus; Isaías é enfático- 63.9 -: “Em toda a angústia deles, foi ele angustiado”.), irritava-se quando a religião oprimia e se deixava molhar pelas lágrimas de uma prostituta. Deus não se mostrara apático.



Volto a Ricardo Peter com sua intuição sobre a revelação de Deus que Jesus brindou o mundo:



O Deus de Jesus assume o humano a tal ponto que liberta o homem da exigência de ser como Deus. Deus contém em si, agora o máximo de humanidade. Deus encontra-se imerso no humano. O ‘Reino’ de Jesus não requer seres excepcionais, melhores que o ‘resto dos homens’, que se preocupam em ser por eles contaminados.



Mas, o que verdadeiramente escandalizou no Deus que Jesus revelava foi sua tremenda inconsistência. Como assim, Deus inconstante? Misericórdia é sempre uma tremenda inconstância. A inconsistência de Deus em reverter sentenças, em anular destinos, em refazer histórias, em anular tragédias, foi a marca mais exuberante da vida de Cristo. Até o fato de seu ensino ser vazio de dogmatismos, desestabilizava qualquer teologia. E talvez tenha sido este o pingo que entornou a taça da ira dos fariseus: o Deus inabalável, rigoroso e severo do Antigo Testamento estava ausente nas palavras, gestos e atitudes do filho de Maria.



Ainda hoje, os que distinguem entre o Deus dos fariseus e o Deus de Jesus acharão boas razões para decretar sua morte. O reino que ele inaugurou entre os homens não encontra paralelo com os reinos deste mundo. Seus ensinos não são codificáveis.



Portanto, o Deus que nasceu em uma manjedoura continuará despercebido dos poderosos. Ele só será notado nas realidades singelas e pequenas: grãos de mostarda, meninos e meninas, ovelhas indefesas, desempregados em calçadas, servos inúteis, indignos, filhos pródigos, prostitutas, leprosos, cegos, mendigos, estrangeiros, soldados e exorcistas informais.



Deus poderia escolher muitas maneiras para mostrar-se real, mas preferiu nascer em uma periferia esquecida; optou viver de um jeito que pode ser, poeticamente, comparado ao de um cordeiro.





Depois de séculos, ainda vale a pena celebrar um natal desses.



Soli Deo Gloria.



Vi no http://www.ricardogondim.com.br/

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

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O ateu e o teólogo




Christopher Hitchens e Douglas Wilson debatem fé cristã, justiça de Deus e salvação do homem.




Por Christianity Today



A discussão acerca da conveniência da prática religiosa neste século 21 tem acirrado polêmicas. De um lado, aqueles que defendem que a tese elaborada por Karl Marx no século 19 – a de que a religião seria o “ópio do povo” – encontra cada vez mais eco nesta pós-modernidade; na trincheira oposta, os que entendem ser a fé um elemento cada vez mais fundamental para a humanidade. O teólogo Douglas Wilson e o ateu Christopher Hitchens, autores cujos livros já são parte de um debate maior sobre se a religião é ou não perniciosa, concordaram em discutir suas visões sobre se o cristianismo tem beneficiado o mundo. Wilson, apologista e pastor da Igreja de Cristo, nos EUA, é autor, entre outros, de Letter from a Christian Citizen (“Carta de um cidadão cristão”). Já o jornalista britânico Hitchens é nome de ponta do movimento conhecido como neoateísmo. Uma de suas obras tem o provocante título God is not great: How religion poisons everything (“Deus não é grande: Como a religião envenena tudo”).



As discussões entre ambos já renderam muita coisa, e também um livro, O cristianismo é bom para o mundo? (Garimpo Editorial). Os dois foram reunidos por Christianity Today para lançar um pouco mais de lenha na fogueira entre a fé e o secularismo, cujas labaredas são cada vez mais visíveis na sociedade ocidental. Acompanhar os argumentos de ambos é muito mais do que um mergulho nas dicotomias da alma humana; pode ser também um reforço para aqueles que querem ter sempre à língua a razão de sua fé.






De: Christopher Hitchens






Para: Douglas Wilson






Ref: O cristianismo é bom para o mundo?






Ao considerar a pergunta acima, tenho plena confiança em respondê-la negativamente. E pelas seguintes razões:



1) Embora se credite à sua fé – ou ela credite a si mesmo – a propagação de preceitos morais tais como o “ame ao seu próximo”, não conheço nenhuma evidência de que tais preceitos derivem do cristianismo. Não consigo acreditar que os seguidores de Moisés, por exemplo, fossem indiferentes ao assassinato, ao roubo e ao perjúrio antes de chegarem ao Sinai. Já a parábola do bom samaritano é sobre alguém que, por definição, não pode ter sido um cristão. Essa regra de ouro é muito mais antiga que qualquer monoteísmo, porque nenhuma sociedade humana teria sido possível ou até mesmo concebível sem a solidariedade elementar entre seus membros. Eu diria também que nem a fábula de Moisés, nem as narrativas extremamente discrepantes sobre Jesus de Nazaré nos evangelhos podem reivindicar a virtude de serem historicamente verdadeiras. Mesmo que eu aceite que Jesus – como quase a maioria dos profetas registrados – nasceu de uma virgem, não consigo pensar que isso comprove a divindade de seu pai ou a verdade de seus ensinamentos. O mesmo seria verdade se eu aceitasse que ele ressuscitou. Há ressurreições demais no Novo Testamento para que eu coloque minha confiança em qualquer uma delas, muito menos as empregue como base para algo tão integral para mim como minha moralidade.



2) Muitos dos ensinamentos do cristianismo, além de inacreditáveis e míticos, são imorais. Veja o conceito de redenção vicária, pela qual minhas responsabilidades podem ser lançadas sobre um bode expiatório e, através dele, eliminadas. Em meu livro, argumento que posso pagar sua dívida ou até mesmo assumir seu lugar na prisão, mas não posso absolvê-lo daquilo que você de fato fez. Essa fantasia exorbitante de “perdão”, infelizmente, vem acompanhada de uma advertência igualmente extrema – a de que a recusa em aceitar essa oferta sublime pode ser punida com maldição eterna. Nem mesmo no Antigo Testamento, que recomenda com intensidade o genocídio, a escravidão, a mutilação genital e outros horrores, se inclina a mencionar a tortura aos mortos. Os que contam essa história perversa a crianças não são amaldiçoados por mim, mas o têm sido pela história e também deveriam ser condenados por aqueles que ficam indignados diante da crueldade às crianças – aliás, uma moral essencial, que permeia todas as culturas.



3) Se o cristianismo reivindicar reconhecimento pela obra de cristãos extraordinários ou pelo trabalho de famosas instituições de caridade, então deve ser totalmente honesto em aceitar a responsabilidade pelo oposto. Toda igreja, então, tem de dar alguma desculpa por seu papel nas cruzadas, pela escravidão, pelo anti-semitismo e por muitas outras coisas. Não penso que tal humilhação desqualifique a fé como tal; antes penso que a humilhação levará à conclusão necessária de que a religião é uma fabricação humana. Não posso, é claro, provar que não há nenhuma deidade supervisora que fiscaliza todos os meus momentos e que me perseguirá mesmo depois que eu estiver morto. Nenhum teólogo, no entanto, jamais demonstrou o contrário. Atenciosamente,


Christopher Hitchens







De: Douglas Wilson






Para: Christopher Hitchens






Ref: O cristianismo é bom para o mundo?





Quero começar lhe agradecendo por concordar – como os diplomatas diriam – com uma “franca troca de visões.” P.G. Wodehouse certa vez disse que algumas mentes são como sopa em um restaurante pobre – melhor se não forem mexidas. Lamento concordar com ele quando considero o ateísmo. Lamento que meu problema seja o seguinte: quanto mais mexo a tigela, mais certos vapores, pedaços de carne e perguntas continuam flutuando na superfície. Seu primeiro argumento foi o de que a fé cristã não pode validar-se por toda aquela coisa do “ame ao seu próximo”, sem falar na regra de ouro, e a razão para isso é que esses preceitos morais têm estado claros como o sol para todos os que, através da história, quiseram ter uma sociedade estável. Você passa então ao segundo argumento, que contém a ideia de que os ensinamentos do cristianismo são “incrivelmente imorais.” Em seu livro, você dá o mesmo argumento sobre outras religiões. Aparentemente, a moralidade básica não é assim tão clara como o sol. Portanto, minha primeira pergunta é: de que maneira você quer argumentar sobre isso: todas as sociedades humanas possuem uma noção de moralidade básica, que é o tema de seu primeiro argumento, ou a religião envenenou tudo, que é a tese de seu livro?



A segunda coisa a observar com respeito a isso é que os cristãos na verdade não afirmam que o Evangelho tornou o mundo inteiro melhor ao nos trazer informações éticas turbinadas. Avanços éticos que se devem à propagação da fé têm acontecido, mas a ação não se encontra aí. Os cristãos creem – como C. S. Lewis argumentou em A abolição do homem – que incrédulos não compreendem as bases da moralidade. Paulo, apóstolo, refere-se aos gentios que não tinham a lei, mas que, no entanto, conheciam por natureza alguns princípios dela (Romanos 2.14). No entanto, o mundo não tem melhorado porque as pessoas conseguem compreender os caminhos nos quais elas têm um desempenho ruim. Ele tem de ficar melhor por meio das boas novas do Evangelho – devemos receber o dom do perdão e a habilidade resultante de viver mais em conformidade com um padrão que já conhecíamos, mas ao qual estávamos necessariamente fracassando em obedecer. Assim, o Evangelho não consiste da lei nova e melhorada. Ele torna o mundo melhor através das boas novas, e não através de sentimentos de culpa ou de bom conselho.



Você alegremente menospreza o Antigo Testamento, “que recomenda com intensidade o genocídio, a escravidão, a mutilação genital e outros horrores.” Deixe-me supor, para bem da discussão, que você tenha resumido aqui com exatidão a essência da ética mosaica. Você então continua, para dizer que nós, que ensinamos essas estórias às crianças, temos sido “amaldiçoados pela história.” Mas que diferença essa “condenação pela história” faria a qualquer um de nós que lê estórias bíblicas para crianças, ou, no que diz respeito ao assunto, a qualquer pessoa que cometeu alguma dessas atrocidades, sobre os seus princípios? Essas pessoas estão todas mortas agora, e nós, que lemos as estórias, iremos todos morrer. Os propagadores desses “horrores” teriam se importado? Não há Deus nenhum, certo? Porque não há Deus, isso quer dizer que – você sabe – genocídios acontecem, como terremotos e eclipses.



Toda a matéria está em movimento, e essas coisas acontecem. Se você está no lado mais fraco da corda, há somente a morte; e, se você é um agente gerador desse genocídio, a consequência a longo prazo é a vitória breve e a morte no fim. Assim sendo, quem se importa? Imagine um israelita durante a conquista de Canaã, fazendo todas as coisas ruins que você diz que ocorriam à época. Durante um de seus abusos, espada sobre a cabeça, será que ele deveria ter parado por um momento para refletir sobre a possibilidade de que você pudesse estar certo? “Você sabe, em aproximadamente três milênios e meio, o consenso entre historiadores é o de que eu estou sendo mau agora mesmo. Mas se não houver nenhum Deus, essa desaprovação por certo não perturbará minha situação de completo esquecimento. Adiante com a rapina e a matança!” Em relação aos seus princípios, quem deveria se importar?



Em sua terceira objeção, você diz que se “o cristianismo reivindicar credibilidade pela obra de cristãos extraordinários ou pelo trabalho de famosas instituições de caridade, então deverá também ser totalmente honesto em aceitar a responsabilidade pelo oposto”. Em suma, se apontarmos para os nossos santos, você exigirá que apontemos também para os nossos charlatães, perseguidores, impostores, mercadores de escravos, inquisidores, marqueteiros, televangelistas e assim por diante. Agora me permita aqui o privilégio de identificar a estrutura de seu argumento. Se a um professor recebe crédito pelo aluno que assimilou a matéria, passou nas provas finais e continuou em uma carreira que foi um benefício para ele mesmo e para a universidade onde se formou, o professor deve também (reza a justiça) ser repreendido pelo drogado preguiçoso que ele pôs para fora da sala de aula na segunda semana. Ambos estavam formalmente matriculados, certo? Ambos eram alunos, não eram?



O que você está fazendo é dizer que o cristianismo deve ser julgado não apenas com base nos que creem no Evangelho de verdade e vivem de acordo com ele, mas também com base nos cristãos batizados que não conseguem escutar o Sermão do Monte sem uma gargalhada, e nos que desistiram dele. Essa me parece ser uma maneira curiosa de proceder.



Você conclui opondo-se à soberania de Deus, dizendo que a ideia transforma o mundo inteiro um estado terrivelmente totalitário, onde os crentes dizem que Deus (e quem ele pensa que é?) dirige tudo. Eu o conclamaria a colocar de lado por um momento a teologia da coisa e tentasse reunir alguma gratidão por que aqueles que construíram nossas instituições de liberdade. Muitos deles foram, na verdade, inspirados pela ideia de que, uma vez que Deus é totalmente soberano, e porque o homem é um pecador, logo todo poder terreno deve ser limitado e restringido. A ideia da verificação e do equilíbrio veio de uma visão de mundo que você despreza por ser essencialmente totalitária. Por que essas sociedades onde esse tipo de teologia predominou produziram, como consequência direta, nossas instituições de liberdade civil?



Uma última pergunta: em seu parágrafo de conclusão, você exalta o seu individualismo e seu direito de ser deixado em paz com “os detalhes mais íntimos de sua vida e mente.” Dado o seu ateísmo, que prestação de contas você está apto a dar que exigiria de nós respeito ao indivíduo? Como esse seu individualismo flui das premissas do ateísmo? Como alguém do mundo exterior respeitaria os detalhes de seus pensamentos mais do que respeita as agitações internas de qualquer outra reação química? Afinal, isso é tudo o que são os nossos pensamentos, certo? Ou, se houver uma distinção, você poderia mostrar como as premissas do seu ateísmo podem produzi-la?



Cordialmente,



Douglas Wilson





Vi no http://cristianismohoje.com.br/

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

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Piercings, evangelho e cultura




Piercings estão cada vez mais comuns em nossos dias. Algo que há menos uma década era olhado com reprovação e preconceito, é hoje visto em homens, mulheres, jovens e até crianças. Se a sociedade parece estar aceitando esses adereços cada vez com mais naturalidade, os cristãos parecem confusos a respeito. Afinal de contas, a questão da aparência ainda é assunto de grande discussão e controvérsia em muitos círculos evangélicos. A primeira coisa que precisamos ter em mente quando o assunto é aparência pessoal, é que se trata de algo que muda com o tempo e com o lugar.




Usos e costumes estão diretamente ligados à cultura. Basicamente uma cultura é formada por três elementos: cosmovisão (a maneira como um povo vê o mundo), sistema de valores (o que é importante para aquele povo) e normas de conduta (o modo como um povo se comporta, e isso dizem respeito tanto à vestimenta, como ao modo de se relacionar com os outros, etc.). Culturas são diferentes de acordo com sua cosmovisão, valores e normas de conduta. Arrotar em público após uma refeição é totalmente aceitável (e até louvável) em certas culturas, e repugnante em outras. Uma mulher com os seios à mostra é normal em muitos países da África (onde a mesma mulher não pode exibir as pernas acima do tornozelo) enquanto que o mesmo é obsceno em outras partes do mundo. Beijar na boca em público é normal aqui no Brasil, mas pode levar alguém à cadeia em certos países islâmicos. Nestes mesmos países islâmicos, um homem não pode andar de mãos dadas com sua esposa, mas pode andar de mãos dadas com outro homem. No Ocidente tal prática evoca idéias de homossexualismo. E por aí vai. Todas essas coisas são formas de expressão cultural. Podem ser um insulto ou algo escandaloso para os de fora (que não fazem parte da cultura), mas não são necessariamente erradas para quem é daquela cultura. O fato é que nenhuma cultura é totalmente igual à outra e nenhuma cultura está acima da outra.



João viu no céu povos de todas as tribos, raças, línguas e nações (grupos étnicos). Todas as culturas possuem elementos que precisam ser valorizados e outros que precisam ser transformados pelo Evangelho. Sendo a aparência pessoal é uma questão de expressão cultural, esta aparência também muda de acordo com a cultura. Pinturas na face e no corpo estão presentes em diversas culturas. Na Polinésia, os nativos usam a tatuagem para escrever sua história familiar no corpo. A tatuagem e o piercing no umbigo eram comuns no Antigo Egito. Alguns povos usam piercing, brincos e outras formas de alteração do corpo (body modification ou simplesmente body modi).



O problema é que o mundo está ficando pequeno. Estamos nos tornando cada vez mais uma aldeia global. Esta globalização faz com que certos costumes que antes só eram vistos em algumas culturas isoladas e lugares remotos da terra, comecem a se tornar moda em todo o mundo. A tatuagem de henna é um exemplo recente desta realidade.E quem são os responsáveis pelo lançamento da moda em nosso mundo? Os meios de comunicação em massa, que muitas vezes mostram artistas, músicos e cantores usando determinada roupa, adereço, estilos diferentes muitas vezes copiados por nós, ou porque não dizer, copiados de nós.



Isto mesmo!!! Citando dois exemplo: Os Rapper’s americanos não inventaram um estilo de roupa e ornamentos, eles já existiam, porém foram popularizados pela mídia. A popularização de alguns costumes orientais no Ocidente teve forte influência dos Beatles, quando estavam em sua fase “Flower and Power”. Muitas das batas, camisões e pantalonas que vemos hoje em nossas ruas, praças, e até na igreja, foram uma influência direta da que é chamada a “maior banda de todos os tempos”, porém, são “politicamente aceitas” por muitas de nossas lideranças. A popularização do piercing foi em 1993 com o vídeo clipe “Cryin”, do Aerosmith, onde Alicia Silverstone apareceu com um piercing no umbigo. Uma banda de rock, uma balada romântica, uma jovem atriz linda. Elementos essenciais para fazer a moda pop ou cultura pop, que nada mais é do que uma mistura de culturas e costumes do mundo pós-moderno. Leornard Sweet, professor metodista e um dos mais interessantes pensadores cristãos de nossa época, comenta sobre tatuagens e piercings em seu e-book recente “The Dawn Mistaken For Dusk”. Ele diz que, a razão pela qual “body modi” é o assunto nº.1 nas listas de discussões e bate-papos de jovens cristãos com menos de 30 anos nos EUA, é pelo fato disto fazer parte da cultura jovem pós-moderna atual (e quase global), uma cultura onde a imagem é altamente valorizada.



A ironia disso tudo é que cirurgias plásticas e implante de silicone são coisas cada vez mais aceitas pelos cristãos modernos. Tem personalidades famosas do mundo evangélico brasileiro com o corpo siliconado.



Todavia, como diz Sweet, “Cirurgia plástica é uma forma severa de alteração do corpo. Isto é aceito, mas brincos e tatuagens, não são?”. Na Bíblia lemos à história de Isaque que deu a Rebeca uma argola de seis gramas de ouro para ser colocada no nariz (piercing) e, após fazer isto, ajoelhou-se para adorar a Deus. Penso que se o primeiro ato fosse pecado ou considerado pagão, então Isaque não teria adorado a Deus em seguida.No livro de Êxodo, percebemos que as mulheres dos hebreus usavam brincos e argolas, os quais foram oferecidos como oferta dedicada ao Senhor para a construção do Tabernáculo. Novamente, não penso que Deus aceitaria de seu povo ofertas que representassem costumes pagãos.



O texto mais intrigante para mim se encontra em Ez 16.11-12: “Também te adornei com enfeites, e te pus braceletes nas mãos e colar à roda do teu pescoço. Coloquei-te um pendente no nariz, arrecadas nas orelhas, e linda coroa na cabeça” (ARA), onde o próprio Deus diz que adornou Jerusalém com jóias, pulseiras, colares, argolas para o nariz e brincos para as orelhas. Ao que parece, tais adornos não eram uma ofensa ao Senhor.



Uma vez que a Bíblia parece não condenar o uso de piercing, por que deveríamos nós? Nosso desafio não é condenar, mas orientar as pessoas (principalmente os jovens) para os riscos que existem em fazer estas coisas sem uma orientação profissional e cuidados de higiene e saúde. A pessoa está consciente dos riscos de inflamação, doenças contagiosas e “efeitos colaterais” diante da sociedade? Está consciente de que algumas alterações são irreversíveis e, mesmo diante da possibilidade de reversão, podem deixar marcas para o resto da vida? Mais ainda, precisamos falar sobre questões de identidade, valor pessoal e auto-imagem. Pois são estas as questões mais importantes para quem está considerando qualquer forma de alteração do corpo, seja uma plástica no nariz, implantar silicone, colocar um piercing ou fazer uma tatuagem.





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Sandro Baggio é pastor-missionário, ocasionalmente tradutor e intérprete, escritor, leitor compulsivo, fã do U2 e membro do Projeto 242
 
 
 
Vi no http://www.pulpitocristao.com/
 
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Quando a Assembléia era de Deus...





Por Nelson Gervoni





Sou de família assembleiana, quando nasci meus pais eram da Madureira, tenho dois primos e um tio pastores no Ministério do Belém, um segundo tio é pastor de Madureira, meu sogro é presbítero e dirigiu diversas congregações da Assembléia, minha esposa nasceu e foi criada nesta igreja e atualmente me vejo pastor ligado à CGADB (Convenção Geral das Assembléias de Deus) através do Belém.



Meu espírito livre me levou a sair da Assembléia de Deus ainda jovem, fiz minha formação teológica num Instituto Batista e por último pastoreei uma igreja anabatista de origem alemã. Por algumas razões há três anos retornei à Casa onde nasci.



Não demorou muito e percebi que a igreja à qual retornara não era mais aquela de onde saíra. Senti-me como alguém que deixa a pátria onde nasceu e ao retornar se sente como um estrangeiro da terra natal.



As diferenças eram tantas que me lembrei de uma frase inúmeras vezes repetida por meu avô materno (nascido em 1901 e convertido ainda jovem na Assembléia de Deus da Missão). Quando via algum absurdo da parte da liderança da igreja, o velho dizia: “Quando a Assembléia era de Deus, isso não acontecia”. E acrescentava, dizendo: “os homens se juntaram e tomaram de Deus a Assembléia de Deus, que agora é dos homens...”



Por ser criança não compreendia ao certo o que o levava meu avô a afirmar isso. Entretanto, esses três anos de Assembléia de Deus me levaram a uma compreensão empática do velho. Ou seja, não somente compreendo, mas sinto o que ele sentia. Havia na expressão do meu avô uma vanguarda profética.



Hoje, não chego a afirmar que a Assembléia não é de Deus, pois ainda há nela um povo caminhante que, não obstante sua liderança, serve a Deus com sinceridade e aguarda a volta do seu Redentor. Mas talvez esta seja uma das poucas características que ainda lhe assegure o nome que tem. A Assembléia não é dos homens. É de Deus. Mas não há dúvida de que os homens – suas lideranças – estão tratando-a como os sacerdotes dos tempos proféticos tratavam a Casa de Deus. Se não, vejamos.




Centralização do poder econômico



A Assembléia de Deus perdeu sua característica de comunidade simples e é uma das igrejas mais ricas do Brasil. Isso a torna semelhante ao Clero Romano que tanto criticamos por sua centralização de poder. Se parece com o sacerdócio do Antigo Testamento tão criticado pelos profetas de então.



Em nível nacional sua riqueza se concentra principalmente na CGADB – que tem como uma das principais fontes financeiras a CPAD (Casa Publicadora das Assembléias de Deus), cuja arrecadação se assemelha a de grandes editoras, como por exemplo, a Abril – e no Ministério do Belém, hegemônico entre os demais ministérios ligados à Convenção.



Estrategicamente esse império, formado principalmente pela CGADB e Belém, se concentra nas mãos de pouquíssimas pessoas, lideradas pelo pastor José Wellington Bezerra da Costa, na presidência simultânea das duas entidades há mais de duas décadas.



Em níveis regionais o poder econômico é distribuído favorecendo os mesmos presidentes de Campo que em nível nacional apóiam e se locupletam com José Wellington. A gestão dos Campos reproduz a administração regional, com centralização de poder e de dinheiro.



É canalizada para a Sede do Campo toda a renda das congregações que em virtude disso perdem a autonomia para realizações descentralizadas. Para citar só um exemplo, a Congregação onde ajudei ultimamente necessita de manutenção das suas dependências, de infra-estrutura para a Escola Dominical das crianças e de instrumentos musicais. Tem uma arrecadação mensal estimada entre R$ 5 mil e R$ 8 mil (digo estimada, pois não se tem acesso à informação da sua arrecadação), mas como deve encaminhar integralmente seus ingressos à Sede, não pode atender suas necessidades locais. Com isso, os departamentos fazem malabarismo para arrecadarem algum dinheiro. Por exemplo, o Círculo de Oração (departamento feminino) faz pizzas e nhoque e vende para os membros, que já contribuem com seus dízimos e ofertas.




Hereditariedade do poder



Outro fenômeno que vem se reproduzindo nas últimas décadas, em especial nas AD do Estado de São Paulo, é a hereditariedade de poder nas esferas regionais. É comum pastores presidentes de Campo prepararem seus filhos para os sucederem ministerialmente. Por exemplo, no Campo de Presidente Prudente/SP o pastor presidente atual é João Carlos Padilha, filho do ex-pastor presidente Carlos Padilha. No Campo de Indaiatuba/SP o pastor presidente é Raimundo Soares de Lima que tem como vice-presidente e sucessor estatutário o próprio filho, pastor Rubeneuton de Lima, mais conhecido como Newton Lima. No Campo de Araçatuba o presidente é o pastor Emanuel Barbosa Martins e o vice-presidente é seu filho, Emanuel Barbosa Martins Filho. No Campo de Limeira o ex-presidente, pastor Joel Amâncio de Souza, fez como seu sucessor o próprio filho, pastor Levy Ferreira de Souza. Medida que foi pivô de considerável divisão na igreja.



Há uma grande possibilidade da hereditariedade de poder se aplicar em nível nacional, pois é de conhecimento dos pastores da CGADB que o pastor José Wellington prepara sua sucessão para um dos filhos, José Wellington Costa Junior, vice-presidente da AD em São Paulo, Ministério do Belém e presidente do Conselho Administrativo da CPAD.



Cabe uma pergunta em relação a isso: É Deus ou o homem quem escolhe o sucessor da presidência da igreja? Penso que a possibilidade de Deus escolher tantos filhos de presidentes como seus sucessores está descartada.



As igrejas do Novo Testamento não eram assim. As congregações escolhiam seus oficiais (Atos 6.1-6, 14.23) e não tinham um pastor presidente que dominava sobre elas.




Sem transparência financeira



Outra coisa que me intrigou ao retornar para a Assembléia de Deus foi descobrir que não é dado saber – senão a duas ou três pessoas da diretoria da Sede – nada sobre a movimentação financeira do Campo. Estima-se que num Campo como o de Campinas, por exemplo, a receita gire em torno R$ 1,5 milhão por mês. Não se sabe ao certo quanto entra e como é gasto o dinheiro; quanto ganha por mês o pastor presidente, pastores regionais e distritais. Recentemente ouvi de uma liderança leiga que o custo de manutenção do pastor presidente, no caso do Campo de Campinas, beira os R$ 60 mil mensais.



Sabe-se, no entanto que as congregações das periferias são pastoreadas por homens simples, que mal recebem ajuda de custo. Assim, muitos têm seus empregos para se sustentarem e os que não conseguem se empregar chegam a passar por privações e apuros financeiros.



A explicação para a ocultação orçamentária é a segurança. Afirmam que não divulgam suas contas para evitarem assaltos. Isso não é verdadeiro, pois qualquer assaltante bem informado sabe que igrejas movimentam rios de dinheiro. E uma coisa é divulgar aos quatro cantos o quanto a igreja arrecada, expondo-a a riscos de roubos, outra coisa é manter seus membros informados do total coletivo das suas contribuições. Afinal, igreja não é empresa privada, que somente o dono tem acesso às suas informações financeiras.



Do ponto de vista legal as igrejas são associações civis regidas pelo Código Civil e como tais, segundo a legislação, devem prestar contas de sua movimentação financeira aos associados, que no caso da igreja são os seus membros. Por exemplo, o Artigo 59, Inciso III do Código Civil diz que “Compete privativamente à assembléia geral (...) aprovar as contas” da instituição. Como poderão aprovar (ou reprovar) as contas sobre a qual pouco ou nada se sabe? Ou como aprovarão se sequer participam das assembléias, em cuja pauta não se coloca em votação a aprovação financeira?



Do ponto de vista bíblico não há nada que se pareça com isso. Não há no Novo Testamento uma associação de igrejas com um presidente arrecadando os ingressos das congregações para administrá-los centralizadamente, se beneficiando de altos salários.



Entretanto, a falta de transparência financeira não é um “privilégio” exclusivo das igrejas e dos Campos. Recentemente o pastor Antonio Silva Santana, eleito em 2009 primeiro tesoureiro da GADB, renunciou alegando falta de acesso às principais informações de caráter fiscal e financeiro da instituição.



Quando não se lança luz sobre uma questão tão importante como esta, obscurece-se a verdade, dando margens a dúvidas. Por exemplo, pode-se perguntar se o dízimo dos contribuintes não foi usado nas últimas eleições para financiar campanhas políticas de pastores candidatos a cargos eletivos.



Esse questionamento nos leva ao próximo assunto.




Vínculo com a política partidária



Não é preciso fazer nenhum esforço mental para perceber que estas características (centralização do poder econômico, hereditariedade do poder e falta de transparência financeira) são próprias das instituições contaminadas pelo abuso de poder, pela ganância, pelo nepotismo, etc. Trata-se de um quadro muito comum nas esferas da política partidária. Assim sendo, como “um abismo chama outro abismo” (Salmo 42.7), era de se esperar que a Assembléia de Deus refizesse (pelo menos tenta refazer), através de sua atuação político-partidária, o casamento entre a Igreja e o Estado, união responsável pelo apodrecimento da fé e cujo divórcio custou o sangue de mártires na História do Cristianismo.



Há atualmente em algumas igrejas a idéia de que “o povo de Deus precisa de representantes na política”. Particularmente tenho uma opinião desenvolvida sobre isso, exposta em recente artigo que escrevi, “Por que não voto em ‘irmão de igreja’”, publicado em meu blog pessoal. Mas, opinião individual a parte, o que mais assusta é o pragmatismo com o qual essa questão vem sendo tratada nas Assembléias de Deus ligadas à CGADB.



A 33ª assembléia geral ordinária da CGADB, realizada em Belo Horizonte em 1997 – e portanto presidida pelo pastor José Wellington – aprovou uma resolução que recomenda aos pastores titulares não se candidatarem a cargos eletivos. Para se candidatar deve o ministro se desvincular de seu cargo pastoral. A resolução é sábia, pois visa, entre outras coisas, poupar a igreja de envolvimento com escândalos políticos que nela respingam, como ocorridos em episódios conhecidos.



Entretanto, não obstante a resolução, recentemente o pastor José Wellington esteve em Campinas e, numa reunião com pastores num hotel, pediu a estes o apoio à candidatura a deputado federal de seu filho Paulo Roberto Freire da Costa – presidente do Campo de Campinas – sem sequer tocar no assunto da desvinculação proposta na resolução que ambos ajudaram a aprovar. Paulo Freire foi eleito e continua presidente da Assembléia Campinas, como se a resolução não existisse.



Ironicamente, a igreja de Campinas foi envolvida num escândalo político quando pastoreada por Marinésio Soares da Silva, antecessor de Paulo Freire. O escândalo foi protagonizado por uma filha Marinésio, na ocasião deputada federal, tendo causado muitos sofrimentos à igreja.



O equivoco de se misturar poder político e igreja foi esclarecido por Cristo numa conversa com seus discípulos, narrada em Marcos 10. Tiago e João reivindicaram o direito de assentar-se com Jesus, um à direita e outro à esquerda do seu trono. Eles não haviam compreendido que o reino de Cristo não se daria na dimensão da política terrena. Para esclarecê-los Jesus lhes disse: “Sabeis que os que são considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” (Marcos 10.42-44, com grifo do autor).



A fala de Cristo (grifada acima) sempre será atual. Alerta contra a centralização do poder econômico, a hereditariedade do poder, a falta de transparência financeira e outras mazelas. As instituições mundanas agem dessa forma, “Mas entre vós não é assim”.



O fenômeno da naturalização



Chama a atenção em todo esse processo o fenômeno da naturalização. Ou seja, todas essas características são vistas e vividas como muito naturais, pela liderança e pela chamada “membresia”. A centralização e a hereditariedade do poder, a falta de comunicação e clareza sobre as contas e o relacionamento – fisiológico, inclusive – com a política, são encarados como algo muito normal e, portanto, sem a necessidade de qualquer questionamento.



Todas essas peculiaridades geralmente são justificadas pela “unção” recebida pelo “homem de Deus”, inclusive com uma equivocada interpretação do texto bíblico que diz “Não toqueis os meus ungidos, e aos meus profetas não façais mal” (1 Crônicas 16.22 e Salmo 105.15). Assim, um “ungido” centraliza o poder e designa-o a quem bem entende – geralmente aos filhos – e os demais ungidos e profetas aceitam sem nada dizer. Da mesma forma, se ele é um “ungido de Deus”, tem autonomia, à custa da heteronomia dos demais, para administrar as finanças da igreja sem delas ter que prestar contas. Por outro lado, os membros se isentam da responsabilidade de fiscalizar, pois acreditam que seu papel é apenas trazer os dízimos (Malaquias 3.10) sem se preocupar com o que será feito dele.



As semelhanças desse modelo com a política fisiológica, voltada para projetos pessoais, são muitas. Isso explica o casamento da igreja com a política partidária.



Será que não estamos diante da síndrome de Eli?




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Nelson Gervoni é pastor da Assembléia de Deus filiado à CGADB, é Coordenador de Projetos Educacionais do Instituto Souza Campos – Pólo Educacional da Universidade Luterana do Brasil em Campinas, SP e integrante do GEPEM da Faculdade de Educação da Unicamp. Artigo enviado pelo autor, para colaboração no Púlpito Cristão
 
 
 
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A face do necessitado é a face de Cristo





Era uma reunião comum, porém com certa formalidade. Apenas os homens estavam na sala, entre eles Jesus, Simão, o leproso, e Lázaro, o que havia sido ressuscitado. Eles eram servidos por Marta, pessoa conhecida por sua diligência quanto aos deveres domésticos. As mulheres não podiam sentar-se à mesa com os homens, elas não eram dignas disso, pelo menos era o que se achava. Abruptamente entra uma mulher na sala, não vem carregando uma bandeja com quitutes ou bebida, mas um vaso feito de um material precioso. Dentro do vaso há um perfume caríssimo, coisa que qualquer trabalhador demoraria um ano pra comprar. Ela quebra o vaso e derrama todo o perfume nos pés de Jesus, depois enxuga com os cabelos.




Os convivas logo reprovam a atitude da mulher. Ela quebrou as regras que impedem as mulheres de participarem das reuniões masculinas. Também, segundo os homens da sala, cometeu um grande desperdício, porque aquele perfume poderia se vendido e o dinheiro dado aos pobres. Maria, esse era o nome dela, Maria de Betânia, ainda de cócoras, é achincalhada pelos comensais, sente-se ainda mais indigna.



Jesus, que sempre toma o partido dos fracos, ele mesmo assumiu a fragilidade humana para si, acolheu Maria e a elogiou. O discípulo que a repreendeu parecia ético e preocupado com os pobres, mas era mentira, ele queria mesmo era posar de bom moço usando como pedestal a frágil mulher. Mas aquele que consegue discernir as intenções do coração o repreendeu e resgatou a dignidade da mulher. A intenção dela era pura e sua ação também era correta. Ela quis cuidar de Jesus, que estava prestes a sofrer sua paixão. Maria expressou o amor a Jesus através do seu cuidado. Grata que era por ser amada pelo Senhor, quis cuidar dele num momento crucial.



Conheço muita gente que diz ser grata a Jesus e que o ama. Pois bem, há infinitas oportunidades de expressar esse amor. Há muitos cristos por aí para que derramemos nossos cuidados aos seus pés. São os que têm fome, os que estão doentes, os que estão presos, os marginalizados. São também aquelas pessoas que precisam de uma ajuda para conseguir uma profissionalização, uma orientação jurídica, uma consulta médica. São aqueles que precisam de um momento de descontração no meio de uma implacável vida de pobreza. São crianças que estão num abrigo ou aquelas que, mesmo em suas famílias, aguardam o Papai Noel no dia 25 de dezembro, e ele insiste em não aparecer.



Jesus disse que o que fizermos a um desses seus menores irmãos, a ele o fazemos. Se amamos a Cristo, está na hora de expressar nosso amor através do cuidado, enxergando Sua face na face do oprimido, do marginalizado, do pobre e do necessitado. Por outro lado, se desprezarmos aqueles que precisam e a quem podemos ajudar, não é só a eles que desprezamos, mas também ao próprio Cristo e mentimos quando dizemos que amamos a Deus.



Márcio Rosa da Silva



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Sonhos e utopias (im)possíveis




Morre mais um ano. Parecidíssimo com os demais, os meses desta década vieram marcados por tragédias que se misturaram com poucas alegrias. Rio de Janeiro e Haiti se misturaram às dores dos alagoanos. O sofrimento de tantos miseráveis clamou em alto e bom tom: a humanidade não pode esquecer-se de que o preço de um possível descontrole ambiental será altíssimo. O conflito iniciado pelo Ocidente, que tenta esvaziar a agenda fundamentalista muçulmana, parece não ter fim. Mais uma vez a história lembra que é mais fácil começar uma guerra que terminar.




Com a queda de alguns mitos da modernidade, o mundo padece de uma enxaqueca histórica. Não se acredita mais no progresso sem limite nem na agenda consumista do neoliberalismo. Sobrou uma ressaca, que imobiliza os ideais e as ações transformadoras da história; ressaca que alguns chamam de pós-modernidade. Se a alternativa da alienação não convém, parece que não há vigor para sonhar na reconstrução de outro mundo possível. Porém, sonhar é preciso. Nossos filhos e filhas não merecem herdar um mundo onde impera o desdém.



Trabalhemos pelo alvorecer de um novo dia em que os rios não poluam os oceanos; os peixes não morram asfixiados em águas podres; o raiar do sol seja menos abrasador, pois homens e mulheres conscientes restauraram as camadas estratosféricas porque adquiriram uma nova consciência ecológica. Aguardemos o dia em que novas leituras do Gênesis devolvam a humanidade à sacralidade do jardim e todos se comprometam a cuidar da criação, recompondo a natureza, que geme devido à insanidade do pecado.



Trabalhemos pelo despontar de um novo tempo em que se acabarão as fronteiras entre países, os muros étnicos e as cancelas rodoviárias; em que nos guichês de passaporte o pobre não seja impedido de procurar fugir de sistemas iníquos e o doente encontre o hospital que salvará a sua vida.



Trabalhemos pelo futuro quando espadas serão transformadas em arados. Procuremos ressignificar a esperança de que os bilhões de dólares gastos com armas e bombas sejam relocados em tratamento de esgoto, que aumenta a expectativa de vida de milhões de crianças. Repitamos: é possível acreditar que as fortunas desperdiçadas em cassinos sejam úteis em pesquisa pela erradicação da malária. Esforcemo-nos por esboçar outra realidade, em que se considera inadmissível uma bolsa custar mais que dois anos de salário de um operário.



Trabalhemos para que surjam muitas Madres Teresa de Calcutá em diversos continentes, todas empenhadas em acolher os moribundos. Sonhemos com mais profetas como Martin Luther King -- e que eles não sejam exceção rara. Concebamos que as penitenciárias políticas serão implodidas e que ninguém jamais seja preso por pensar diferente. Criemos um mundo em que os instrumentos de tortura se tornem peças macabras de museu e que não reste nenhuma ilha onde se maltrata outro ser humano em nome de ideologia, religião ou regime político.



Trabalhemos para que deixem de existir corregedorias, grampos telefônicos e espiões e que seja proibido bisbilhotar a privacidade das pessoas. Contribuamos para que o mundo se liberte das delações traiçoeiras contra o próximo. Convençamos os nossos filhos que é dever de todo homem e de toda mulher proteger o seu irmão. Esforcemo-nos para que os orfanatos não precisem manter as crianças por muito tempo porque as filas de adoção se multiplicaram; também, que os idosos nunca fiquem esquecidos em clínicas, à espera da morte.



Trabalhemos para que se multipliquem as orquestras e que os prefeitos construam coretos em todas as praças; e que as famílias se reúnam nos fins de semana para ouvir a apresentação vespertina de música. Não deveria ser considerado um delírio esperar que se projetem bons filmes em vilarejos e em cidades remotas. Oxalá bibliotecas ambulantes distribuam poesia para os tristes e boa literatura para os sonhadores; que escolas treinem bons malabaristas para a alegria das sextas-feiras e que mais trapezistas desafiem a gravidade nos picadeiros.



Trabalhemos para que os experimentos com células-tronco deem certo, e que muito em breve os tetraplégicos sejam curados e saltem como gazelas pela vida. Incentivemos quem trabalha no Projeto Genoma; e que eles terminem de mapear a estrutura da vida biológica para que se reduza o número de crianças com doenças genéticas.



Trabalhemos para que o turismo sexual seja banido e extinto entre os povos; que a pedofilia se torne um anacronismo; que se desarticulem os cartéis de droga -- o tóxico tem que parar de ceifar vidas, já que, um dia, pouquíssimas pessoas precisarão entorpecer a mente para tolerar a vida; os êxtases virão do encontro com a beleza, a bondade e a solidariedade.



Trabalhemos por um novo céu e uma nova terra. Todavia, reconheçamos que esse porvir não acontecerá enquanto a humanidade tolerar o pressuposto da sobrevivência do mais forte, ou da exclusão racial e da discriminação social. Optemos pelo legado de sabedoria que nossos pais nos deixaram, que nos convoca a construir a história. Incumbidos por Deus de promover o bem, represar o mal e disseminar a justiça, acreditemos que o futuro chegará de acordo com a semente que plantarmos no presente.



O futuro que ansiamos nascerá tanto de nossas mãos como de nossos ouvidos. Primeiro, ouçamos as verdades e os princípios eternos que Jesus nos ensinou. Depois, arregacemos as mangas. A vida espera por nós. Nossos filhos e netos não podem correr o risco de sermos negligentes ou apáticos. Qualquer hesitação pode redundar em desastre. Já é tarde!



Soli Deo Gloria



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O Calvinismo Leva ao Universalismo

Está bem, talvez o Calvinismo não leva ao Universalismo inexoravelmente – como se todo calvinista devesse tornar-se um universalista. Entretanto, muitos teólogos universalistas proeminentes são/eram reformados e criam que seus conceitos calvinistas da soberania de Deus os compeliam finalmente a abraçar o Universalismo.



Dois notáveis exemplos vêm à mente: Friedrich Schleiermacher e Karl Barth. Sim, eu sei que alguns reformados rejeitarão um ou ambos – como não verdadeiramente reformado. Entretanto, alguém não consegue ler The Christian Faith de Schleiermacher e não perceber seus vigorosos princípios calvinistas. Para Schleiermacher Deus é a realidade toda-determinante e é por isso que ele rejeita a oração petitória – porque ela implica que Deus já não sabe o que é melhor. Para Schleiermacher, qualquer coisa que esteja acontecendo, incluindo o pecado e o mal, foi preordenado e tornado certo por Deus.


Schleiermacher abraçou o Universalismo porque ele não conseguia reconciliar o Deus de Jesus Cristo todo-determinante com o inferno. Se Deus é amor e todo-determinante, devemos concluir que há um propósito amoroso para tudo que acontece. Se Deus é o autor do pecado e do mal, então a punição eterna de pecadores no inferno é injusta. Schleiermacher o calvinista percebia a questão claramente e tirou a única conclusão lógica de sua elevada visão do amor e soberania de Deus.


Apesar de todas as suas diferenças de Schleiermacher, Karl Barth seguiu o mesmo caminho básico do Calvinismo ao Universalismo. Eu sei que alguns estudiosos de Barth não creem que ele foi universalista e que ele não adotou esse rótulo. Mas eu creio que o Universalismo está implícito em sua doutrina da eleição na qual se diz que Jesus é o único homem reprovado. Barth notoriamente declarou que nosso “não” a Deus não pode resistir ao “sim” de Deus a nós em Jesus Cristo. Para Barth, Deus é “Aquele que ama em liberdade”. Deus é também todo-determinante em sua soberania. Barth chamava sua soteriologia de “supralapsarianismo purificado” – purificado do inferno, mas todavia supralapsário! Barth percebia corretamente que a lógica interna do Calvinismo deve levar ao Universalismo SE ele levar a sério o amor como natureza de Deus.


A única maneira de um calvinista evitar o Universalismo é transformar Deus em um monstro moral que para sua própria glória condena ao inferno pessoas que ele poderia salvar. Uma vez que você entende, entretanto, que o inferno é totalmente desnecessário porque a cruz foi uma revelação suficiente da justiça de Deus, o inferno torna-se não apenas supérfluo, mas completamente injusto.


Digo algumas vezes que SE eu pudesse ser universalista, eu poderia ser calvinista. Bem, eu ainda teria o problema da responsabilidade humana. Mas meu ponto é que eu não me importo com o livre-arbítrio exceto na medida em que ele é necessário para explicar por que um Deus de amor permite que algumas pessoas pereçam eternamente. Se eu pudesse crer que Deus salva a todos incondicionalmente, que é o que eu penso que Barth cria, eu poderia ser calvinista. Uma razão de não poder ser calvinista é porque ser calvinista exigiria de mim que eu lançasse fora todos os textos bíblicos sobre o inferno porque eu não teria interesse em até mesmo ser cristão se o Deus do Cristianismo fosse um monstro moral.




Fonte: http://www.rogereolson.com/2010/12/10/calvinism-leads-to-universalism/


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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

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Silas Malafaia, o Hamlet gospel: Ser profeta ou ser profeteiro




Como todos sabem, o pastor Silas Malafaia se envolveu numa grande polêmica, quando decidiu trocar farpas com Edir Macedo, a quem chamou, num vídeo que foi acessado por mais de 500 mil pessoas (até agora), de “falso profeta mentiroso”.






O curioso é perceber que, ao que tudo indica, a briga se deu porque Macedo decidiu afirmar que Malafaia tinha segundas intenções ao retirar o apoio à candidatura de Marina Silva e apoiar à candidatura de José Serra.





O apoio a José Serra foi revelado, por Malafaia, no seu programa “Vitória em Cristo”, na propaganda eleitoral do candidato à presidência da república, pelo PSDB, e no referido vídeo onde responde às acusações de Macedo.





Essa briga me deixou com a “pulga atrás da orelha”, pois na troca de acusações, Macedo chamou Malafaia de “falso profeta” e, em contra partida, Malafaia o chamou de “falso profeta mentiroso”. Mas Malafaia fez algo muito arriscado. Ele afirmou, peremptoriamente, que Dilma perderia a eleição, senão vejamos: “...E agora por questões do voto Evangélico e Católico, ela (Dilma) está dizendo que é contra (o aborto) é por isso que ela vai perder essa eleição...” Quando ouvi estas palavras pela primeira vez, antes do dia 31 de outubro, perguntei-me se estas eram as palavras de um profeta, já que Silas vive dizendo ser profeta de Deus (basta acompanhar seus programas, e eu os acompanho, para perceber quantas vezes ele repete isto), Ou as palavras e opinião do cidadão Malafaia?





Como nasci em lar evangélico, e conheço um pouquinho do que acontece nos bastidores eclesiásticos, sei que se Dilma tivesse perdido a eleição, muitos diriam que as palavras de Malafaia foram proféticas. Mas, como ela foi eleita, acredito que, estes mesmos, dirão que as palavras de Malafaia refletiam a opinião de um simples cidadão.





Antes que alguém tire conclusões precipitadas, preciso dizer que o que me inquieta nesta história, é perceber que, em nome de Deus, muita gente tem feito o que bem entende. Acredito que está na hora da Igreja amadurecer, para compreender o que acontece em seus arraiais e para que não seja levada por todo vento de doutrina, ou por qualquer líder religioso inescrupuloso, que tenha o poder de manipular a opinião pública.





Pr. Calvino Rocha nos enviou este artigo por e-mail. Imagem produzida pelo Genizah que já achou que a crise de identidade do Silão tinha o bigode no seu esteio, como Sansão com seu cabelo. Hoje creio que a questão



Vi no: http://www.genizahvirtual.com/
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O rosto de Deus




Rafael, Michelangelo e vários outros pintores tentaram retratar o rosto de Deus. Foram infelizes. Como mostrar na tela quem nunca foi visto? Com a proximidade do Natal, mais artistas procuram esboçar o que imaginam ser o rosto de Deus.




Ele se parece com uma criança? É o frágil bebê das manjedouras? Talvez; o reino do céu pertence aos pequeninos, aos que mamam. Ao tentar desenhar o mistério, o artista termina com um ídolo.



O rosto de Deus, entretanto, pode ser experimentado nos sem-teto que perambulam pelas ruas e dormem nos viadutos das grandes cidades. Quando Jesus nasceu, a família estava sem moradia certa, não possuía recursos para pagar uma hospedaria e viu-se obrigada a refugiar-se em um estábulo.



O rosto de Deus pode ser percebido em vítimas de preconceito e em injustiçados. Sobre o menino que nasceu em Belém pairou uma dúvida: ele era de fato filho de José? O casal não inventara aquela história toda para se safar de um rolo?



O rosto de Deus se revela nos desprezíveis, nos que foram condenados à margem da história. Quando o menino nasceu, ninguém notou ou escutou o alarido dos anjos. A trombeta que anunciou paz na terra pela boa vontade de Deus passou desapercebida da grande maioria. Apenas um punhado de pastores foi sensível para presenciar o momento mais importante da história.



Qual o rosto de Deus? Ele não se parece com os cartões postais ou com o menino de barro das lapinhas. Deus é igualzinho a Jesus. E Jesus é bem parecido com o vizinho do lado, com a mulher que pede socorro na delegacia do bairro e com a família que chora a morte do filho no corredor do ambulatório.



Não é preciso muito para encontrar Deus, basta um coração de carne, humano.



Soli Deo Gloria



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terça-feira, 2 de novembro de 2010

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Caio Fábio e Silas Malafaia deram as mãos!




Sabe o que Caio Fábio e Silas Malafaia teriam em comum? Ambos apoiaram Serra no segundo turno.






O que Renê Terra Nova e o Papa Bento XVI têm em comum? Serra!





O que foi capaz de unir Edir Macedo, Manoel Ferreira, Robson Rodovalho e Marco Feliciano? Dilma!





Só mesmo a política seria capaz de unir pessoas tão diferentes, que jamais se uniriam em qualquer outra circunstância. Seria por terem os mesmos ideais? Não! Mas por terem os mesmos interesses. Concessões de rádio e TV, cargos públicos, verbas públicas e outros interesses nem sempre confessáveis e dignos fazem com que conflitos de anos sejam relativizados e superados. Devo salientar que há exceções, inclusive entre os nomes que citei.





Em contrapartida, amigos de longas datas se tornam ferrenhos adversários, como aconteceu entre Macedo e Malafaia. Quem diria que o mesmo Malafaia que defendeu aguerridamente o Macedo por ocasião de sua prisão nos anos 90, hoje viria à TV chamá-lo de falso profeta? Tudo porque Macedo apoiava o candidato adversário. Se bem que foi Macedo quem começou, chamando seu novo desafeto de “profeta velho”, e questionando o motivo que o levou a trocar Marina por Serra.





Maledita política! Unindo e dividindo. Apaziguando velhas guerras e deflagrando novas. Mentiras foram ditas dos púlpitos. Calúnias foram divulgadas. Candidatos demonizados enquanto outros divinizados e transformados em verdadeiros messias.





E quanto aqueles que arriscaram profetizar quem seria o vencedor do pleito? Como Terra Nova e Valnice Milhomens poderiam explicar o fracasso de suas profecias?





Engana-se quem imagina que a igreja cristã saiu forte deste pleito. Saiu sim, desacreditado. Jamais um líder espiritual deveria hipotecar seu apoio a quem quer que fosse. Deveríamos, antes, manter-nos isentos. Pelo menos, além da lisura do processo, também preservaríamos velhas amizades, e talvez, até fizéssemos novas.





Acabo de receber um twitter de alguém se fazendo passar pelo Malafaia pedindo que todos postassem a tag #lutoBrasil. Por que luto? Porque meu candidato foi derrotado? Mesmo não tendo votado na candidata vencedora, sinto-me no direito e no dever de celebrar a vitória da primeira mulher presidente do Brasil. Assim como celebrei a vitória do primeiro negro presidente dos Estados Unidos. Isso não me obriga a concordar com sua política. Também não estou obrigado a aplaudir tudo que a Dilva Roussef fizer na qualidade de presidente do maior país da América Latina. Mantendo-me isento, tenho liberdade de aplaudir os acertos, e criticar os equívocos. E disso, não abro mão.





Viva a democracia!




Hermes Fernandes





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Preparando a casa do Pai




Jesus decide passar suas últimas horas de vida junto com os seus discípulos em uma ceia.


Naquele momento ele se desnuda, abre o seu coração e fala das suas tristezas.

Ele percebe que seus discípulos estão entristecidos com sua fala e então afirma que aquela tristeza é temporária, mas em breve eles explodiriam de alegria.

Desta maneira introduz aquilo que ele considera apaziguador, consolador para os discípulos com as seguintes palavras:



"Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar- lhes lugar. E se eu for e lhes preparar lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver” João 14:1-3.



De todos os lugares e recantos do cosmos onde Deus escolheu fazer sua casa?

Em nós.

Há uma canção de Gerson Borges com o tema “Hoje é dia de Festa”, que relata uma grande festa na casa do Pai, onde há abundante alegria. Ela encerra dizendo: “A casa do Pai é o nosso próprio coração”.

Em nós, morada de Deus, há muitos aposentos e Jesus entra junto com o Pai no mais recôndito do nosso ser e ali monta uma casa com um grande mesa para cear.

“...Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos morada nele.” João 14:23

“Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo”. Apocalipse 3:20.

Ecoa as palavras de Jesus aos discípulos: Jesus enviou Pedro e João, dizendo: "Vão preparar a refeição da Páscoa" Lucas 22:8.



Jesus precisa preparar lugar porque somos egoístas demais.

Em nosso coração cabem poucas pessoas.

Temos muitas coisas despejadas em nosso coração como mágoas, indiferenças, esquemas de proteção contra as feridas de amar, espinhos, invejas que impedem caber mais pessoas. Jesus precisa preparar estes aposentos.

Deus nos fez largos suficientes para que caiba em nós todos os que ele ama, mas nós temos a tendência de expulsar muitos. Às vezes por preconceito, por não aceitarmos quem pensa diferente.



No coração de Deus, na sua morada, cabem todos os amados de Deus.

Compreendendo a metáfora do céu, podemos dizer que se há um lugar pronto seria este. Um lugar completo, sem a necessidade de acabamentos, o lugar perfeito e pronto para receber e acolher a todos.

A única morada de Deus que precisaria preparar é o nosso coração.

Nele temos um irmão mais velho moralista que se recusa em admitir os perdidos.

Tem os vendedores que não deixam os estrangeiros terem um encontro com Deus, pois ao invés de ser um lugar de oração se torna um covil.

Jesus tem muito trabalho para preparar os aposentos.

Deus nos fez com um espaço tremendo, mas nós o entulhamos. Viraram despensas de nossas idiossincrasias.



Jesus iria preparar lugar e os discípulos conheciam o caminho. E eles perguntaram: Que caminho. E Jesus respondeu: “Eu sou o caminho”. Como assim?

O caminho aberto para todos, acolhedor, que ama, não tem preconceitos, o caminho do amor, da comunhão, da solidariedade. O caminho de se dar inteiramente pelo outro. Este é o caminho. Entre nele, pois Jesus deseja que onde ele estiver, estejamos nós também.



Antes que ele volte é o tempo para um encontro com a gente mesmo.



Eliel Batista



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Qual a missão?



A grande maioria dos evangélicos pensa a evangelização em termos de proselitismo. Evangelizar para muitos protestantes é converter o outro, o diferente, a cultura à sua cosmo visão religiosa; fazer missão é tornar o não evangélico em evangélico, convencer aquele que está “do lado de lá” a vir para o “lado de cá” sob pena de ir para o inferno. Para muitos crentes a motivação de levar as boas novas é para que Deus não lhes cobre o sangue dos “condenados”!




Todas as conseqüências que podemos imaginar a partir disso podem levar o nome de intolerância.





Jesus anda por outros caminhos da missão. Evangelizar para Jesus não é um processo de aculturação; não é uma tarefa para ajuntar adeptos em torno de si; missão para Jesus não é conceder um passaporte para o céu.





Em alguns casos Cristo age de maneira intrigante. Para o moço geraseno Cristo diz “não precisa me seguir, vai para a sua casa”. Aqueles que foram curados pelo Mestre ouviram dele “não conte a ninguém o que lhe aconteceu”. Ao encontrar pessoas tementes a Deus em outras “tribos religiosas” Cristo elogia a sua fé.





Missão para Cristo não é levar as pessoas ao céu, mas trazer o céu às pessoas! “O Reino dos céus está entre nós”. Levar as Boas Novas é conscientizar as pessoas do óbvio. Evangelizar é promover o Reino aqui e agora; é abrir os olhos dos homens para a realidade de que o Reino de Deus está disponível a todos, apenas um instante de estender as mãos. “O Reino é de vocês. Vivam, desfrutem, compartilhem!”





“O Reino dos céus está entre vós” é um discurso que Cristo repete com paixão. Para o Império Romano é uma afronta; para os religiosos é impossível, mas enche os olhos dos marginalizados de esperança!





As boas novas de Cristo é que o Reino dos céus é uma realidade que pode ser vivida agora e ninguém precisa ficar de fora, todos podem entrar. Cristo vive como um agente do Reino espalhando misericórdia, justiça, inclusão, dignidade, pão, água, alegria. O Filho do Homem sinaliza o Divino numa terra seca de amor.





Fazer missão é cuidar da Terra como a nossa casa e cuidar dos seus moradores como nossos irmãos. E a vida de Cristo é o exemplo mais forte e inspirador. Cristo leva o seu discurso às últimas conseqüências; ao ponto de suscitar inimigos, traidores e algozes. Por ter sido um homem bom, Cristo foi levado à cruz – morreu pela vida. Morreu pela causa.





A intenção de Cristo é salvar o homem para a lucidez, para a coragem e responsabilidade. Cristo quer libertar homens e mulheres que foram convencidas pela religião que são amaldiçoados por Deus por causa do pecado; Jesus quer livrar as pessoas de suas fantasias e infantilidades (que inclui as religiosas); Jesus quer inspirar o ser humano para uma ética da responsabilidade.



O Cristianismo, enquanto vida que se inspira em Cristo, tem uma mensagem revolucionária que olha para os pobres e oprimidos, uma mensagem utópica (a realidade pode ser outra!) com valores suficientes para vivermos uma vida boa!



Certamente os crentes farão mais diferença para a sociedade (e para o Reino!) se, ao invés do proselitismo e do olhar para o ser humano como um adepto em potencial, viverem o Cristo que estende as tendas do Reino de Deus e melhora a Terra!





Alguém pode perguntar: “e quem vai para o céu depois da morte?”. Esta questão já foi resolvida no Calvário, “está consumado!”; Cristo morreu por todos e Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo (2 Co 5.19). O que está em suspenso é outra questão: quem vai desvelar o Reino de Deus hoje? Quem vai compartilhar do Reino dos Céus agora?



Márcio Cardoso



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Ufanismos, messianismos e outras mentiras




O tempo tudo destrói. O vento da história cobre todas as coisas de poeira. Impérios, outrora avassaladores, hoje entediam alunos secundaristas, que só precisam conhecê-los para passar de ano. Napoleão, o temido imperador francês, virou nome de cachorro. Na mitologia, Kronos, o deus do tempo, inclemente, devorava seus filhos.




O escritor português Vergílio Ferreira percebeu que muitos tratados são escritos sobre a infância, juventude e idade adulta. E em todos se “fala de ir” -- ir para o futuro. Desejos, sonhos e ambições impulsionam a vida. Mas para qual futuro? Vergílio Ferreira conclui que esse tal “ir” é rumar para a velhice; “velhice é estar”. De fato, velhice é a idade em que passamos o restante da vida. E, existencialmente, não há muita opção: ou se morre cedo, como um Camelot, ou se enfrenta a decrepitude dos senis.



Embora não seja oficialmente idoso -- ainda faltam alguns anos --, eu começo a me preparar para os derradeiros anos. Não quero viver os próximos anos de minha vida como meros sobejos dos bons tempos que já vivi. Reafirmo que ninguém é velho enquanto estiver disposto a aprender. Eu quero me manter flexível na madureza. Sei que nada sei.



Sobretudo, quero aprender a despojar-me de falsas onipotências. Já confiei em minha capacidade de ordenar a vida. Imaginava que verdades e princípios me blindariam contra decepções, tristezas e contrapés existenciais. Porém, como disse Chico Buarque, veio a Roda Viva e carregou o destino pra lá. Padeci desnecessariamente porque superestimei a minha capacidade de anular contingências existenciais.



Acreditei na mensagem religiosa que prometia engrenar o cotidiano, garantindo vitória sobre vitória. Esforcei-me o quanto pude para tornar a obediência capaz de livrar-me de tribulações. Eu buscava a excelência como chave para o dia-a-dia encapsulado na mais pura felicidade. Depois de vários tombos, inúmeras bobagens, enormes desapontamentos e grandes decepções, acordei. A vida não se deixa encabrestar. Vi que nunca havia conseguido adequar-me ao superego exigente que carregava dentro de mim. Eu me contemplava em espelhos distorcidos. A imagem que enxergava sempre foi maior do que eu mesmo. A juventude engana, mas a meia-idade esvazia os delirantes de seus devaneios.



Devido à minha onipotência, idealizei auditórios. Acreditei que a minha oratória seria capaz de arrebatar multidões. As longas horas em que preparei sermões representavam uma capacitação especial para ser uma extensão concreta e real do poder de Deus. Eu não admitia a minha ineficácia em converter, transformar, santificar. Confundi talentos naturais com “eleição”; minha habilidade com a oratória me inebriava. Mas, enquanto meus cabelos pratearam, dei-me conta que muitos meninos e meninas de nossa comunidade haviam desistido da fé. Minha eloquência não se mostrara tão infalível quanto eu supunha.



Muitas culpas nascem da falsa onipotência. Por me sentir com a responsabilidade de carregar o mundo nas costas, raramente me permitia vivenciar atividades que não redundassem no avanço da missão. Lazer, só para recompor, manter o vigor, e voltar a trabalhar. Poesia, nem pensar; poesia não ajuda a argumentar. Contente, acostumei-me a encaixar passeios em viagens missionárias. Considerava o convite para falar em uma conferência uma boa ocasião para tirar férias.



O simples correr dos anos bastou para minar tantos ufanismos juvenis. Aprendi a cantar com Almir Sater: “Ando devagar porque já tive pressa/ E levo esse sorriso/porque já chorei demais/ Hoje me sinto mais forte,/ mais feliz quem sabe/ Eu só levo a certeza de que/ muito pouco eu sei, eu nada sei”.



Pretendo seguir o restante da jornada, despretensiosamente. Sem arroubos, oferecer minhas frágeis intuições. Espero aprender como “mais me gloriar nas fraquezas” e poder repetir o apóstolo Paulo: “Porque, quando sou fraco, então é que sou forte” (2Co 12.10).



Começo a reconhecer limites e a dar de ombros ao imperativo religioso de superar a humanidade. Não sou angelical. Já não me considero um conquistador de utopias. Mantenho as utopias, mas as tenho como meras alavancas de minhas iniciativas. Não me considero apto a concretizá-las.



As minhas despedidas foram trágicas, meus lutos, inconsoláveis e minhas decepções, amargas. Aceito que a vida é frágil. Sei que não sou autossuficiente. No reconhecimento de minha debilidade, reaprendo a ser grato; gratidão nasce de uma memória que não é soberba. Sou agradecido por todos os que já me ajudaram; todos encarnaram o amor de Deus e eu quero mantê-los na lista das bênçãos recebidas.



O tempo que tudo desgasta, paradoxalmente, aviva a pergunta do profeta Miqueias, a que eu me antecipo a responder sim: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom, e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?” (Mq 6.8).



Soli Deo Gloria



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Uma caminhada pra pensar



Outro dia um jovem me perguntou qual seria uma boa estratégia para testemunhar Cristo ao mundo. Antes que eu pudesse responder, ele já deu sua sugestão. Logo vi que ele não queria minha resposta, mas sim que eu concordasse com a dele. Ele disse, empolgadamente, que seria necessário fazer grandes eventos, que reunissem milhares de pessoas, com cantores gospel de renome, com palavras de ordem que repreendessem o “espírito” da violência, da corrupção e da pobreza do meio do povo. Aí então o nome de Jesus seria glorificado e o Reino de Deus estabelecido, segundo o jovem entusiasta.




Procurando um jeito cuidadoso para não melindrar o rapaz tão cheio de boa fé, tive que discordar dele. Convidei-o para uma caminhada, e, enquanto andávamos de maneira displicente, tentei mostrar outra forma de dar testemunho do Evangelho. Minha conversa foi mais ou menos a seguinte:



Em primeiro lugar, grandes ajuntamentos são excelentes demonstrações de poder. Entretanto, a proposta daquele jovem nazareno, que foi chamado Cristo, não era de poder, mas de amor. Seu poder consistiu exatamente em abrir mão de todo o poder para tornar-se fraco. Nenhum projeto que seja de estabelecimento de hegemonia religiosa, ou de qualquer outra natureza, tem alguma relação com o projeto de Cristo.



Depois, o testemunho de Jesus não será dado de maneira bombástica e espalhafatosa, mas sim na discrição dos lugares aonde ninguém quer ir. Longe dos holofotes, dos microfones e dos lugares altos.



O bom testemunho de Cristo é dado por aquele anônimo que visita a ala de doentes terminais para jogar cartas com eles, dando-lhes um pouco de dignidade na hora da morte, dignidade que talvez seus familiares lhes recusaram.



O bom testemunho de Cristo é dado por aquela mulher que vai ao Abrigo quase todos os dias cuidar uma criança com paralisia cerebral, vítima de uma tentativa de aborto malsucedida, e que foi abandonada como nem a um animal se faz. Que testemunho vibrante!



O bom testemunho de Cristo é dado por aquela pessoa que contribui com seus recursos, com seus talentos pessoais e com o seu tempo em iniciativas voluntárias e sem qualquer outro interesse que não seja amenizar a carência de outros, num país onde ainda há tanta miséria.



Em vez dos grandes eventos, é necessário ir para os valados, para os becos, para os grotões, para os lugares onde estão aqueles que ninguém mais quer amar.



Quanto às palavras de ordem a repreender a violência, a corrupção e a pobreza, disse ao rapaz que eu as achava inócuas. Violência se repele com a cultura da paz e a conscientização das pessoas. A corrupção se combate com a responsabilização dos corruptos e o afastamento dos mesmos da vida pública. Quanto à pobreza, uma boa maneira de diminuí-la seria estimular a todos a terem uma postura mais generosa.



Terminei a conversa com o jovem rapaz dizendo que assim era a forma como eu entendia ser possível dar testemunho de Cristo nos dias de hoje e cooperar para a implantação do Reino de Deus aqui na terra. Já no finalzinho da caminhada, percebi o rapaz algo inquieto. Ele agradeceu o bate-papo e foi embora pensativo. Não sei se ele concordou comigo, mas acho que pelo menos o fiz pensar de um modo um pouco diferente.




Marcio Rosa



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O Comandante



“Existo para quê?”. A pergunta repicava em sua mente como um sino de catedral ao meio dia. Enquanto Roberto caminhava pelo hangar, tapava os ouvidos. Tentava abafar o barulho de uma turbina em teste; o exagero nos decibéis poderia dar enxaqueca. Era a turbina de seu Boeing que rodava sobre tripés. Depois de cumpridas as oito mil horas de vôo, todo avião precisa de uma manutenção meticulosa. Desmontaram toda a fuselagem para que cada rebite, cada milímetro de cabo e cada luz fossem revisados.




Roberto notou que já haviam retirado as asas e o avião, magro, se resumia a uma grade; mostrava suas costelas como uma baleia retalhada. Parou, seus olhos pesaram e se sentiu amputado. Como era triste ver um avião daquele jeito. Roberto amava voar, sentia-se onipotente quando puxava o manche e fazia decolar aquela imensa máquina. Mas seu Boeing jazia esquartejado com milhares de operários, feito vermes, remexendo suas entranhas. Arrepiou-se. Correu-lhe um frio quando pensou no dia que também só lhe restaria a carcaça.



“Existo para quê?”. Essa pergunta repetia-se estridente como uma música alucinada mais forte que a própria turbina. Sua angustia tomou conta de sua alma enquanto permanecia imóvel no fundo do hangar. Depois que perdera o encanto por Londres, Paris, Hong Kong e Bruxelas, e depois de se cansar com os corredores mal iluminados dos hotéis de luxo, saber para que existia tornou-se uma obsessão.



Mas agora, cansava só de imaginar a bateria de exames médicos e psicológicos que precisaria se submeter em minutos. À semelhança do avião retalhado, ele também seria dividido em minúsculas porções. O oftalmologista o analisaria; os raios x o revelariam de dentro para fora; encabulado, entregaria seu sangue, urina e fezes nas mãos de uma assistente. E ainda havia aqueles malditos testes psicotécnicos. Roberto não só teria que provar para estranhos que estava bem dos rins ao nariz, dos olhos aos pulmões, como também mostrar que ainda não enlouquecera, e que sua agilidade mental estava preservada depois de tantos anos de profissão.



Roberto seguiu até o setor médico no prédio, anexo ao hangar e apresentou-se à recepcionista. Ouviu um pedido educado:





-Comandante Roberto Miranda, o senhor poderia sentar-se e esperar apenas alguns minutos? Dr. Azevedo logo o atenderá.





Roberto obedeceu e pegou a revista de bordo "Mundo Alado". Mal folheou as primeiras páginas e ouviu a voz familiar do médico. Conhecia-o do clube e de outros exames. Já se submetera àquela mesma rotina três vezes nos últimos quinze anos.





-Comandante, seja bem-vindo, vamos entrar.



Os dois se cumprimentaram com um abraço displicente e rapidamente passaram ao consultório.



Roberto notou que os cabelos do médico alvejavam e pensou:



-Nem notei que os meus próprios também estão mais alvos que as neves nova-iorquinas, brincou num solilóquio.





Dr. Azevedo se antecipou e antes de falarem sobre a bateria de exames, comentou sobre o futuro da companhia, atolada em dívidas.





-Comandante, a situação está preta. Eu soube que vão despedir oitenta por cento dos pilotos e noventa por cento dos tripulantes; já fecharam as lojas, vão acabar com quase todo serviço de bordo. Azevedo falava como se estivesse escondendo algum segredo da recepcionista do outro lado da parede.



Roberto quase não respondia. Suas reações se resumiam a monossílabos incompreensíveis. O comandante mantinha um desânimo no rosto enquanto Azevedo tagarelava sobre seus direitos e sobre o Fundo de Compensação das Aposentadorias.



Roberto divagava como se sonhasse acordado. Passeava pelo campo de pouso do Aeroclube de sua cidade. Viu-se menino, olhando para os pequenos e frágeis monomotores, os queridos “Paulistinhas”. Quantas vezes, antes mesmo de completar dez anos de idade, correu atrás deles com um cata-vento na mão, que parecia girar mais rápido que a própria hélice quando rugia e provocava ventanias.



Roberto morara a pouco mais de cem metros do Aeroclube e enquanto outros meninos chutavam bola; e depois começaram a namorar, ele se sentava numa pequena oficina onde o Zeca reparava os pequenos motores.



O dia mais feliz de sua vida aconteceu quando o instrutor Felipe Caran precisava fazer um vôo teste e lhe convidou para ser o passageiro do banco traseiro do paulistinha. Foi o seu vôo inaugural. Quantas vezes sentiu a mesma felicidade quando afivelou o cinto e viu o mundo se apequenar pela janela dos gigantescos jatos que pilotou.



Naquele primeiro vôo, depois que atingiu mil pés de altura e Felipe Caran estabilizou o monomotor em velocidade cruzeiro, passou a explicar para o menino como funcionava o altímetro, a função dos flaps, o rádio de comunicação com a torre e outros detalhes. Permitiu, inclusive, que Roberto segurasse o manche. Com dois minutos o avião lhe obedecia. Sua vida nunca mais foi a mesma. A janela do monomotor estava aberta, o vento fez escorrer dois fiapos de lágrimas até a orelha. Estava irrigada uma decisão: seria um piloto.



Ele sempre pareceu uma criança melancólica, embora os olhos castanhos lhe denunciassem como um forte; impressionava com o porte. Seus cabelos grossos e castanhos formavam franjas teimosas que pendiam sobre a testa. Por toda infância, seu mundo se resumiu à escola, ao hangar do Zeca e às muitas palestras sobre aviação que assistiu escondido no curso de preparação para os candidatos a brevê.



Aos dezenove anos, Roberto já estava brevetado, com direito a fotografia nos arquivos do Departamento de Aviação Civil como habilitado para voar por instrumento. Como nesse tempo as companhias aéreas expandiam,, não demorou para ser contratado como co-piloto de um turbo hélice. Em pouquíssimo tempo, depois de alguns cursos com muito, muito estudo, ele se tornou o mais jovem comandante de Boeing de toda a história da aviação.



Acumulou milhares de horas de vôo sem nunca correr perigo. Jamais precisou requisitar suporte de terra para procedimento de emergência. Sempre cioso com as check lists, não permitia que seu avião saísse do terminal caso suspeitasse qualquer anomalia. Por isso, ganhou vários prêmios. Seu nome foi citado em todas as revistas especializadas como um profissional modelo.



Roberto pilotou as rotas internacionais de sua companhia aérea; conhecia os aeroportos de quase todo mundo.



Acostumado às rotinas, logo passou a se chatear quando era convocado para voar no Natal e Reveillon; ele não agüentava mais as servidas a bordo. Já não dormia com facilidade nas camas dos hotéis. Aqueles dias de Aeroclube amarelava como uma fotografia velha.



Sentado no consultório, Roberto percebeu o tamanho de sua fatiga. Fracassara em um casamento; não viu seus dois filhos se tornarem homens; não foi à maternidade ver seus dois netos. Não temia submeter-se à bateria de exames rotineiros. Contudo, apavorava-se de se conseguir passar no mais difícil exame: aquele que o homem faz com a sua própria alma.



Azevedo tagarelava sobre o sindicato, a Fundação, a greve já organizada e Roberto contemplava um horizonte inexistente. Parecia um cego que, sem movimentar os olhos, parece ver o nada.



-E aí comandante Roberto, o que o senhor pensa que vai acontecer?

Como se acordasse, Roberto respondeu:

-Qual futuro? Como poderemos viajar para longe do presente, se ele é tudo? Por que querer escapar do presente se nosso destino se acorrenta a ele?



Olhou para Azevedo e falou como se comunicasse pelo rádio com alguma torre de controle.

-Veja minha vida, ela ficou para trás como uma nuvem que o avião rasga. Azevedo nosso presente é como a terra que a gente vê de cima de um avião. Voamos a quase mil quilômetros por hora, mas o cenário muda com uma lentidão irritante. Nossa vida não pode esperar. Nosso destino não se esconde por detrás de uma montanha qualquer. Nosso futuro não vem em nossa direção, nós é que vamos ao encontro dele. Não podemos nos condenar a esperar, esperar. Nossa vida acontece aqui e agora, ela é o que vivemos e fazemos para sermos felizes.



Azevedo assustou-se com a mudança brusca do comandante, outrora plácido, em um pensador tão loquaz.



-O senhor anda lendo muita filosofia.

Com um olhar que parecia um dardo inflamado, Roberto continuou:

-Não, não estou lendo nada em especial. Apenas não aceito esperar pelo meu destino. Quero pilotar a nave mais importante que existe: eu mesmo.

Azevedo baixou a cabeça e esperou que terminasse.

-Não há planos de vôos para a vida, Azevedo. Não há rotas predeterminadas. Na vida navegamos por caminhos nunca explorados e eu estou cansado de submeter os meus planos de vôo. Não quero ninguém aprovando para onde devo ir, entende?.



Azevedo não entendeu, mas balançou a cabeça dando entender que sim. Roberto iluminava seu semblante a cada palavra.



-Azevedo, desde que sou criança nunca me faltou nada. Não me faltou dinheiro, nem saúde, nem coragem. Faltou-me apenas viver. Voei alto, mas minha dedicação profissional e meu zelo pela segurança de meus passageiros, eram fugas. Escondi-me na oficina do seu Zeca porque me faltava coragem de enfrentar o perigo de ser rejeitado pelas meninas que queria namorar; quis alcançar o céu porque tinha medo de pisar a terra. Desejei as alturas para ser livre, porém não fiz o que queria; obedeci mil manuais e milhões de regras.



Roberto colocou-se em pé, o médico o olhava de baixo para cima, amedrontado:



-Azevedo, ser livre é conquistar o direito de construir, de sulcar nossa própria história; não deixar que outros se sentem na cadeira do comandante com o manche na mão. Veja você, seu mundo se resume a esse consultório, suas maiores aspirações estão nas mãos alheias, seu futuro depende de uma reunião de diretoria. Você está passando velozmente e o seu cenário se arrasta em câmara lenta.



Azevedo sentiu-se agredido e resolveu contra-atacar.



-Comandante, eu amo a medicina, amo o que faço, tenho muitos motivos para ser feliz. Acho que o senhor tentou projetar em mim sua própria crise. Se luto por uma questão salarial é porque sou solidário às famílias que dependem da saúde dessa empresa. Minhas reivindicações não significam que seja um frustrado”. Azevedo parou, esperando que o assunto esfriasse para começar com os exames de rotina.



A turbina em teste no hangar silenciou. A sala se encheu de uma quietude incômoda.



-Vamos começar?

Pediu o médico.



Roberto mais uma vez se esqueceu do mundo; tinha o olhar das crianças quando brincam com pensamentos que não são pensamentos. Desligado, parecia ouvir alguém lhe falando ao longe. Chegou a franzir a testa como se esperasse a próxima mensagem e voltou à carga:



-Azevedo, eu gosto do céu; já me acostumei com o azul da estratosfera; não há nada mais lindo que enfrentar os astros e navegar rumo às galáxias. Você não imagina quantas estrelas cadentes já vi em noites sem lua. Contudo, o alumínio das fuselagens, as rotinas dos manuais e o ambiente intragável das salas de imigrações estão me matando.



Ainda em pé e segurando o encosto da cadeira à sua frente, disse:



-Quero deixar de ser o Comandante Roberto e opto pelo simples Roberto que ama a liberdade e adora o espaço. A partir de hoje vou determinar a minha própria história; isso devo a mim mesmo.



Azevedo sentiu que não adiantaria continuar replicando o comandante:



-Então, tá. Deixe eu tirar sua pressão arterial.



Roberto demorou uma fração de segundos para reagir, de cabeça baixa, parecia consultar uma check list pendurada sobre o peito.



-Não, hoje não.

Apertou a mão do médico, deu as costas e saiu com um breve e seco até logo. Desceu pelas escadas, passou pelo esqueleto do Boeing e sumiu.



A última notícia que se soube do Roberto é que ele havia participado de uma expedição de ornitólogos pelo interior da Amazônia.



Soli Deo Gloria.



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