segunda-feira, 29 de agosto de 2011

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Como Evitar Desequilíbrios Religiosos (por Arthur W. Pink)



Vigilância, oração, autodisciplina e aquiescência inteligente aos propósitos de Deus são indispensáveis para qualquer progresso real na santidade. Existem certas áreas de nossas vidas em que os nossos esforços para sermos corretos nos podem conduzir ao erro, a um erro tão grande que leva à própria deformação espiritual. Por exemplo:



1. Quando, em nossa determinação de nos tornarmos ousados, nos tornamos atrevidos. Coragem e mansidão são qualidades compatíveis; ambas eram encontradas em perfeitas proporções em Cristo, e ambas brilharam esplendidamente na confrontação com os seus adversários. Pedro, diante do sinédrio, e Paulo, diante do rei Ágripa, demonstraram ambas essas qualidades, ainda que noutra ocasião, quando a ousadia de Paulo temporariamente perdeu o seu amor e se tornou carnal, ele houvesse dito ao sumo sacerdote: "Deus há de ferir-te, parede branqueada". No entanto, deve-se dar um crédito ao apóstolo, quando, ao perceber o que havia feito, desculpou-se imediatamente (At 23.1-5).



2. Quando, em nosso desejo de sermos francos, tornamo-nos rudes. Candura sem aspereza sempre se encontrou no homem Cristo Jesus. O crente que se vangloria de sempre chamar de ferro o que é de ferro, acabará chamando tudo pelo nome de ferro. Até o fogoso Pedro aprendeu que o amor não deixa escapar da boca tudo quanto sabe (1 Pe 4.8).



3. Quando, em nossos esforços para sermos vigilantes, ficamos a suspeitar de todos. Posto que há muitos adversários, somos tentados a ver inimigos onde nenhum deles existe. Por causa do conflito com o erro, tendemos a desenvolver um espírito de hostilidade para com todos quantos discordam de nós em qualquer coisa. Satanás pouco se importa se seguimos uma doutrina falsa ou se meramente nos tornamos amargos. Pois em ambos os casos ele sai vencedor.



4. Quando tentamos ser sérios e nos tornamos sombrios. Os santos sempre foram pessoas sérias, mas a melancolia é um defeito de caráter e jamais deveria ser mesclada com a piedade. A melancolia religiosa pode indicar a presença de incredulidade ou pecado, e, se deixarmos que tal melancolia prossiga por muito tempo, pode conduzir a graves perturbações mentais. A alegria é a grande terapia da mente. "Alegrai-vos sempre no Senhor" ( Fp 4.4).



5. Quando tencionamos ser conscienciosos e nos tornamos escrupulosos em demasia. Se o diabo não puder destruir a consciência, seus esforços se concentrarão na tentativa de enfermá-la. Conheço crentes que vivem em um estado de angústia permanente, temendo que venham a desagradar a Deus. Seu mundo de atos permitidos se torna mais e mais estreito, até que finalmente temem atirar-se nas atividades comuns da vida. E ainda acreditam que essa auto-tortura é uma prova de piedade
 
 
 

sábado, 27 de agosto de 2011

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Você está na Igreja Verdadeira?!

“Pois, também, eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; E eu te darei as chaves do reino dos céus...” Mateus cap. 16 vs. 18 e 19.



Ao longo dos anos esta tem sido a dúvida de alguns ou, a certeza de outros que querem definir e consolidar as fronteiras de sua espiritualidade impondo sua visão particularizada de fé.



O termo original no grego usado para Igreja (ekklesia), não possuía nada em especial. Era apenas uma assembléia popular da democracia ateniense na Grécia Antiga, aberta a todos os cidadãos homens com mais de dezoito anos, sendo que, todas as classes de cidadãos podiam participar dela.



Concernente ao emprego da palavra no cristianismo, pode-se dizer que Ecclesia, palavra latina que quer dizer igreja, curral ou abrigo de ovelhas, era a "assembléia por convocação, reunião, ajuntamento dos primeiros cristãos, a comunhão cristã”.



Já logo nos primeiros séculos do cristianismo, essa concepção de “igreja” sofreu mutações, fazendo com que uma simples reunião ganhasse a formatação e transferência para estruturas físicas (prédios), como também definições ideológicas e filosóficas patrocinadas pelos líderes/clérigos de então, passando a ser um instrumento controlador e regulador da fé. Nada mais distante do Evangelho de Jesus ela poderia se tornar, com esse “modus operandis”!



Na verdade, a igreja só é Igreja conforme o propósito de Jesus, quando ela é promotora do resgate da liberdade do ser humano como indivíduo criado a imagem e semelhança do Criador. Quando ela quer formatar, esteriotipar, cercear, e mais uma longa lista de "AR", ela tornou-se instrumento de prisão e consequentemente do inferno.



Quando o tema da discussão é “desviados ou afastados da comunhão”, entendo que na realidade algumas pessoas nunca saíram da IGREJA INVISÍVEL CORPO DE CRISTO, simplesmente não pertencem mais a um rol de membros de uma instituição que é produto da elaboração humana. Em contrapartida, outras nunca entraram, somente fizeram uma adesão denominacional regrada por ativismo e entusiasmo religioso.



A IGREJA INVISÍVEL CORPO DE CRISTO, está anos luz a frente dessa tentativa de manipulação psicológica terrorista daqueles que se dizem detentores do monopólio da salvação, aquela coisa bem "basicasinha e burrinha" de dizer: "aqui é a casa de Deus, e fora daqui não há remissão de pecados".



Essa declaração é deplorável, lamentável, superficial e fraudulenta, já que Cristo não morreu por instituições ou estruturas prediais e estatutárias, e sim, por GENTE, por seres HUMANOS, para restaurá-los a imagem e semelhança de si mesmo, independente da agremiação religiosa que se proponha arrogantemente a ser o "PEDÁGIO DO CÉU NA TERRA!".



Meu conselho aos que não suportam mais o peso das estruturas fechadas e intransigentes da religião, é que se reúnam com pessoas que crêem no Evangelho, e que buscam leveza, simplicidade e sobre tudo, reciprocidade em amor sem fazer do formato um fim em si mesmo.



Quando as pessoas valorizam mais o formato, as liturgias, as indumentárias, os estatutos ou teologias concebidas de forma hermética e inflexível, já decaíram da Graça de Cristo e desviados e idólatras se fizeram.



A Igreja no seu “formato” original, não possuía estrutura nem prédios, nem por isso deixou de ser Igreja, aliás, aquela era "A IGREJA". Comunidade que era um círculo de amizade gerada nos laços do Evangelho. Comunidade que não tinha a pretensão de se fechar e alienar-se, demonizando aqueles que não aderissem a sua filosofia ou ideologia. Eles entenderam que a proposta de Cristo era libertar, e não encarcerar a pessoa num novo sistema de regras e hierarquias.



Se você decidi reunir-se com algumas pessoas em torno do Cristo revelado nos Evangelhos, seja na sua casa, num parque ou em outro local qualquer que não tenha a configuração e a estética daquilo que se chama erroneamente de Igreja, aí é e está "A IGREJA", pois ELE disse: "ONDE ESTIVEREM DOIS OU TRÊS REUNIDOS EM MEU NOME, AÍ ESTOU "EU" NO MEIO DELES".

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

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Todos Podem Ser Salvos pela Fé



Robert E. Picirilli





Isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que creem; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus. Rm 22, 23

A terceira grande verdade que Paulo nos ensina sobre o método de justificação é que ele está gratuitamente e igualmente disponível a todos. Todo e qualquer um que crê tem acesso a essa “justiça de Deus” graciosamente proporcionada.

1. O ponto desta igualdade está especialmente claro em 22b: “para todos e sobre todos os que creem.” Note a ênfase com a repetição. Embora Paulo não diga exatamente assim, seu ponto é que judeu e gentio tem igualmente acesso à justiça de Deus na mesma base.

2. A razão para esta igualdade está igualmente clara em 22b e 23: “Não há diferença. Porque todos pecaram.” A evidência desta conclusão foi atestada tão bem na primeira parte de Romanos. Lá Paulo provou claramente que todos são pecadores. Se todos são pecadores, então todos devem alcançar a justiça pelo mesmo método, a fé. Uma pessoa que não fosse pecadora poderia ser salva por suas próprias obras, mas o próprio fato que ela pecou elimina essa possibilidade para ela. A única esperança de um pecador está em algo diferente dele mesmo. Tal provisão foi feita por Deus por intermédio de Cristo, e a fé é a exigência para essa provisão ser aplicada. Dessa forma, qualquer um e todos podem vir pela fé a Jesus e receber a justiça como uma dádiva.

A ligação entre os versículos 22 e 23 é muito precisa. Não há diferença nos homens (todos são culpados), da mesma forma não há diferença na provisão (todos são convidados). Esta é uma importante confirmação de nossa doutrina da expiação universal. A provisão de Deus é tão universal quando o pecado do homem!

O versículo 23 é um depoimento bem conhecido da universalidade do pecado. Suas construções gramaticais são importantes. No grego “todos pecaram” é uma expressão indefinida que compreende a história de toda raça humana em uma única e ampla extensão: “Todo homem peca” – é o que ela significa. A segunda parte, “destituídos estão da glória de Deus,” é um tempo diferente, e significa “permanecer em falta.” Esta expressão retrata o frustrante fracasso que é repetido diversas vezes pelo homem quando em vão ele permanece tentando alcançar a justiça por seus próprios esforços. O primeiro é mais positivo: O pecado é uma violação do padrão de Deus. O segundo é mais negativo: Os melhores esforços do homem deixam de atingir a medida que Deus requer.

Fonte: Romans, p. 60

Tradução: Paulo Cesar Antunes



terça-feira, 23 de agosto de 2011

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O que alegra a Deus?






“Eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus. Darei a eles um só pensamento e uma só conduta, para que me temam durante toda a sua vida, para o seu próprio bem e o dos seus filhos e descendentes. Farei com eles uma aliança permanente: Jamais deixarei de fazer o bem a eles, e farei com que me temam de coração, para que jamais se desviem de mim. Terei alegria em fazer-lhes o bem…” Jeremias 32. 38-41.


“Deus se alegra em nos fazer bem”, eis um pensamento que pode parecer estranho para pessoas cheias de religião, pois todo o exercício religioso concentra-se basicamente em nos ensinar a agradar a Deus.


Assim, vamos à igreja, “aprendemos a cumprir os mandamentos e a nos sacrificar para agradarmos a Ele”. Contudo, somos surpreendidos com o rosto amoroso de Deus que não promete apenas estabelecer uma aliança eterna conosco, mas afirma sentir alegria quando nos faz o bem.


Toda premissa que precisamos agradar a Deus para receber alguma coisa dele, é pagã em sua essência.


O paganismo monta-se no pressuposto de que a divindade é naturalmente contrária a nós, mas possível ser conquistada através de técnicas religiosas. A Bíblia ensina o oposto.


Deus como um pai amoroso, ama aos seus filhos e se alegra em ser-lhes carinhoso e generoso. Suas ações nascem de um caráter benigno e eternamente misericordioso.


Assim o culto deve ser uma resposta à iniciativa divina de nos querer bem.


Quando nos reunimos para adorá-lo, saibamos que fomos amados antes, quando oferecemos ofertas reconheçamos que ele nos enriqueceu antes, quando declaramos nosso desejo de servi-lo admitamos que seu amor nos constrangeu em primeiro lugar.


A face amedrontadora das divindades pagãs se diluiu diante do amor acolhedor e perdoador de Jesus, que se alegrava em alcançar os desvalidos.


Todos os que se encontram perdidos, abandonados e tristes precisam lembrar que o maior desejo de Deus e o que traz mais alegria ao seu coração é quando ele segura na mão dos seus filhos para ajudá-los a vencer as barreiras intransponíveis e os desafios angustiantes.


Soli Deo Gloria


Vi no http://betesda.com.br/reflexoes/o-que-alegra-a-deus/
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O cristão é pessimista?






“O discurso do pastor foi desanimador e pessimista. Afinal de contas, o emprego dele depende do pessimismo.”


Ouvi essas sentenças como reação a um discurso que proferi em uma entidade filantrópica. O tema que me foi apresentado era: A realidade do mundo e a expectativa evangélica para o futuro.


Embora esse comentário sobre minha palestra tenha me deixado triste, compreendi que ele não se dirigia apenas a mim. Representava muito mais uma resposta secularizada à visão cristã de mundo.


A expectativa evangélica do futuro parece, em um primeiro instante, muito negativa.


Cristo previu um cenário bem cru para os últimos dias. Independente da interpretação que se dê para alguns textos como Mateus 24 e Lucas 21, vê-se claramente que Jesus não foi ufanista quanto ao futuro da humanidade. Seu vaticínio previa uma falência do sistema ecológico (terremotos, o sol se escurecendo, a lua não dando sua claridade etc.); crises econômicas (fome); conflitos políticos (guerras e rumores de guerra); abalo na família (pai se levantando contra filho); barafunda religiosa (falsos profetas, falsos cristos, perseguição); frouxidão moral (multiplicação da iniqüidade, esfriamento do amor).


Depois de Cristo, os pagãos também acusaram os primeiros cristãos de “odiar a raça humana”. E Paulo não poupa palavras. Escrevendo para seu discípulo Timóteo, anteviu um futuro nebuloso: “Sabe porém, isto: Nos últimos dias sobrevirão dias difíceis; pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, antes amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma da piedade, negando-lhe, entretanto, o poder” (2 Tm 3.1-5).


Passados quase 2.000 anos, vale perguntar: “a escatologia cristã é pessimista?”.


Só neste século experimentamos duas guerras mundiais, centenas de conflitos em menor escala e mais de 150 milhões de mortos.


A cobiça humana arrasou com florestas, dizimou espécies animais, poluiu rios, destruiu a camada de ozônio.


A sofisticação dos sistemas políticos foram incapazes de amenizar as injustiças sociais; um terço da humanidade ainda vive em miséria absoluta.


Os cartéis do tóxico tornaram-se poderosas forças econômicas e políticas. Pode-se continuar relatando desgraças ad infinitum: aborto, ódio étnico e religioso, indústria da pornografia infantil, chuva ácida, minas que mutilaram homens, mulheres e crianças etc.
Antes de ter sido acusado por sua mulher de cometer incesto com uma de suas filhas adotivas, o cineasta Woody Allen declarou: “Mais do que em qualquer outra época, estamos numa encruzilhada. Um dos caminhos leva à catástrofe e ao mais terrível desespero. O outro leva à extinção total. Vamos rezar para que façamos a escolha correta”.


Norman Brown, escritor americano, conseguiu ser ainda mais seco: “Até a sobrevivência da humanidade é hoje uma esperança utópica”.


O cristianismo não colore o futuro de tons bonitos porque, ao contrário do Iluminismo – que imaginava as pessoas como naturalmente boas -, ele insiste na doutrina da queda – todos estão presos ao pecado.


Alienados de Deus, homens e mulheres continuarão gerando sistemas perversos. Há alguns anos, acompanhei um fotógrafo norte-americano que documentava a dura realidade da miséria nordestina. Ele já trabalhara para o Washington Post, cobrindo a guerra do Vietnam e conhecia as iníquas entranhas do poder político. Desiludido, sua conclusão sobre a humanidade coincide com a dos evangelhos. “Parece que há forças invisíveis governando os destinos da humanidade; por mais que nos esforcemos e sonhemos com um mundo mais bonito, somos impelidos para a guerra, para a corrupção e para a desgraça”, lamentava ele.


O cristianismo reconhece que sistemas adoecem, que estruturas se satanizam, que gerações inteiras se corrompem, mas identifica o pecado pessoal como a fonte de todos os males. “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mt 15.19). Sem arrependimento e regeneração do indivíduo, a escatologia cristã será sempre cética quanto ao futuro.
João Batista começou pregando que o machado está posto à raiz da árvore (Mt 3.10), portanto, se as pessoas não forem regeneradas pelo poder do Espírito Santo, não conseguirão jamais gestar um futuro promissor.


A escatologia cristã parece ser pessimista também porque espera uma intervenção radical de Deus na história. Os apóstolos questionaram a Cristo antes do dia de Pentecostes: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1.6). Desde então a literatura cristã está farta de idéias apocalípticas. Tanto nos escritos de Paulo, Pedro, João, como nos anseios das comunidades primitivas – que clamavam “Maranata” – acreditava-se que a volta de Cristo seria eminente.


Todas as gerações esperavam que Cristo voltasse para julgar os ímpios, erradicar a maldade e estabelecer seu reino milenar na Terra. Essa expectativa é sintomática. Indica que a comunidade cristã jamais acreditou que as utopias futuras dessem certo. Mesmo em períodos históricos em que houve grande envolvimento político, os cristãos esperaram a invasão apocalíptica do próprio Deus. Thomas More imaginou a ilha da Utopia, Chardin pregou a evolução do ser humano e Marx propôs uma sociedade altruísta e sem desiguais.


Os cristãos, entretanto, embora insistindo no envolvimento de cidadãos na militância política para diminuir o avanço do mal e demonstrar lampejos do reino futuro aqui na Terra, acreditam que só haverá justiça e paz quando Cristo voltar e implantar seu reino. Certa vez, C. S. Lewis disse que na hora em que o autor de uma peça entra no palco do teatro é sinal de que acabou-se o espetáculo.


A escatologia cristã, porém, não se enxerga como pessimista. Primeiro, porque não se frustra com o irrealizável, mas se concentra no que pode ser feito. Não se acomoda, mas antecipa em vidas e comunidades o reino de justiça que ainda está por vir. Forma espaços de vida em meio ao caos. Gera esperança contra a própria esperança. O cristão não é niilista, porque acredita nos desdobramentos da regeneração. Se o coração depravado é potencialmente capaz de monstruosidade, o regenerado pode produzir ondas de bondade com poder de alterar leis, países, gerações inteiras. Robinson Cavalcanti, faz-nos pensar nos desdobramentos de um cristianismo integral.


A missão do cristão regenerado é: “Expor toda a Palavra, interceder por todos os problemas, apoiar todas as vocações, edificar todos os fiéis, combater todo o mal”. Cavalcanti continua sonhando com a possibilidade de concretizar a utopia realizável do Reino com “cristãos que amam não só de palavras, mas de atos.
Atos filantrópicos, atos que apóiem projetos em comunidades carentes, atos que lutem por atacar as causas estruturais de opressão. Igrejas proféticas, cristãos engajados, movimentos de inspiração evangélica. Homens novos comprometidos com um novo mundo, antecipando novidades no mundo: sinais do Reino, marcas do Reino, antecipação do Reino”.


Na igreja de Tessalônica espalhou-se uma heresia apocalíptica. Alguns diziam que Cristo já voltara e que de nada adiantava trabalhar ou ter planos futuros, porque o seu reino seria implantado sem a interferência humana. Outros afirmavam que Ele ainda não tinha voltado, mas que estava às portas. Diziam também que não era mais necessário nenhum projeto humano, pois na sua volta, tudo redundaria em nada. Paulo os corrigiu escrevendo as duas epístolas aos tessalonicenses. Nelas, ele lembra que a volta de Cristo não deve provocar acomodação, indiferença mas um compromisso com a vida. “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5.23).


A profecia cristã não é pessimista, ela convoca os cristãos a se engajarem antecipando e demonstrando lampejos do Reino e a se santificarem esperando “novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça” (2 Pe 3.13). Vem, Senhor Jesus.


Soli Deo Gloria.


Vi no http://betesda.com.br/reflexoes/o-cristao-e-pessimista/
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A fé que você não precisa ter



Ao longo da maior parte da história do cristianismo a fé que está sendo requerida de você não foi requerida do cristão comum. Pense séculos; não, pense um milênio ou dois. Durante mais de mil anos foi tomado como certo que a essência do cristianismo residia em outra coisa que não aquilo que aprendemos a associar à fé.


Nos primeiros mil e quinhentos anos, ser cristão foi visto como tentar imprimir sobre a vida real as implicações da revelação; nos últimos quinhentos anos ser cristão tem sido visto como acreditar (e tentar demonstrar) que o conteúdo da revelação aconteceu na vida real.


Essa distinção pode requerer elucidação mais extensa e reflexão mais profunda.


Basta entender, e entendido isso tudo ficará claro, que durante séculos a verossimilhança da narrativa judaico-cristã não precisou ser grandemente defendida ou colocada em dúvida. Durante esse período o conteúdo da revelação bíblica foi visto por judeus e cristãos como especialmente fidedigno e singular, e assim defendido contra revelações competidoras – mas não se requeria de quem se aproximava dessa revelação uma fé no mundo sobrenatural que já não estivesse presente no cidadão comum. Ninguém se preocupava em argumentar em favor ou estabelecer a credibilidade das alegações da Bíblia, porque as pessoas em geral acreditavam por si mesmas em deuses, milagres, aparições, demônios, portentos, feitiços, revelações, divinos embates e divinas paixões, intervenções de anjos e toda sorte de outras sobreposições do mundo invisível no mundo natural.


Durante mais de mil anos, portanto, a questão da factualidade da revelação cristã raramente entrou em discussão. A esmagadora maioria das pessoas acreditava ou estava predisposta a acreditar em alguma forma de mundo sobrenatural, pelo que não se requeria delas um esforço particular para que acreditassem na ressurreição dos mortos, na concepção virginal, numa criação em seis dias ou em Jesus andando sobre as águas. Todos os homens pressupunham algum conteúdo sobrenatural; a revelação cristã apenas apresentava sua descrição do mundo sobrenatural e de seus mecanismos como especialmente fidedigna.


Ninguém se preocupava muito, como fazem hoje alguns de nós, em insistir que o planeta inteiro esteve coberto de água durante o Dilúvio, ou que em situações de grandes stress seres humanos podem de fato suar sangue, ou que se pode comprovar cientificamente que homens e dinossauros caminharam lado a lado.


Como não se requeria fé para crer-se no conteúdo da revelação cristã, o foco da vida religiosa era mantido sobre a interpretação desse conteúdo particular. Para incontáveis gerações de cristãos, na verdade, a fé consistia no exercício de pesar e aplicar na vida real as implicações da narrativa cristã.


Esse mundo, naturalmente, não existe mais, e a maior parte de nós ignora que nossa presente atitude com relação à fé não se origina na tradição cristã ou nas ênfases da própria narrativa bíblica. A transição ocorreu quando deixamos de nos preocupar com o desafio do conteúdo da fé e desenvolvemos a obsessão de convencer o mundo e nós mesmos a acreditar nele.


A maré começou a mudar com o Renascimento, com a Reforma e com a a visão mecanicista da natureza que caracterizou a ciência a partir do século XVII. A virada definitiva, no entanto, parece ter coincidido historicamente com o raiar do Iluminismo – também chamado, muito significativamente, de Idade da Razão – movimento que afetou irresistivelmente a ciência, a política, as artes e o comportamento da porção ocidental do planeta, consolidando as tendências do que ficaria estabelecido como era Moderna. Foi esse o dia em que nasceu o nosso mundo.


A partir desse momento começamos todos a pensar de modo científico, racionalista e mecanicista, e – apesar de Woodstock, do movimento hippie, de Paulo Coelho e da Era de Aquário (e na verdade com a plena cumplicidade de todos eles) – nunca chegamos a aprender o caminho de volta. Tornamo-nos incapazes de enxergar o mundo com os olhos antigos.


O mundo que enxergamos hoje, o único mundo válido e admissível, é o da realidade física, palpável e mensurável; para ser devidamente aceito por nós, até mesmo Deus deve conformar-se a ele. Eventos sobrenaturais, se admitidos, devem ser considerados uma exceção ao fluxo natural e real das coisas; não somos mais capazes de abraçar a sério o conceito oposto, que predominava antes: de que o mundo físico é mera sombra de um mundo invisível maior e mais real.


Porém a revolução racionalista da era Moderna não apenas moldou o nosso modo de ver a natureza e a realidade; mais prenhe de consequências foi o fato de ter alterado para sempre o modo como pesamos a própria verdade.


Em particular, aprendemos a tomar verdade e factualidade como coisas idênticas ou inseparáveis. Hoje em dia, para nós a verdade é sempre factual – isto é, pertence ao âmbito da realidade física, podendo ser medida e atribuída a um ponto concebível do tempo e do espaço, quer submetendo-se ou sobrepujando as leis naturais, mas sempre confirmando-as. Se uma afirmação não é factual, para nós ela simplesmente não é verdade – e, talvez mais grave, não cremos que possa haver numa afirmação não-factual alguma medida de verdade. Aprendemos a contrastar verdade não apenas com mentira ou com inverdade, mas com superstição, com crença, com utopia, com ficção, com faz-de-conta – com fé.


Numa palavra, para nós verdade é o que pode ser verificado. Se a terra não foi criada em seis dias de 24 horas que poderiam ter sido medidos por um hipotético observador isento, a narrativa da criação em Gênesis 1 não diz a verdade. Se por ocasião do Dilúvio a água não cobriu comprovadamente o topo do monte Everest, e se a arca de Noé não tiver sido grande o bastante para comportar um casal de cada animal terrestre da criação, a Bíblia está faltando com a verdade. Se a virgindade de Maria por ocasião da sua concepção era de tal modo que não poderia ter sido verificada por uma criteriosa e hipotética junta médica multidisciplinar, não há verdade na alegação de Mateus de que Jesus nasceu de uma virgem. Se depois da crucificação Jesus não sofreu verificável morte cerebral seria incorreção dizer que ele ressuscitou, porque ele nunca teria estado tecnicamente morto. E assim por diante.


O incrível é que de fato cremos que se essas coisas não forem factuais nada temos a aprender com elas. De fato cremos que se não forem factuais não há nelas verdade alguma.


Essa crença de que a verdade se esgota no que pode ser verificado no mundo físico se mostraria inteiramente incompreensível para os grandes mestres da antiguidade, e isso antes, durante e depois de Jesus. Seria ainda duramente rejeitada se tentássemos convertê-los a ela os pelos primeiros cristãos – pois fica claro que criam que a verdade não é definida pela correspondência com a realidade física, mas pela correspondência com uma realidade espiritual: uma realidade narrativa ou literária com um arco maior e mais grandioso do que o da experiência crua do dia a dia. Criam, com o autor da carta aos Hebreus, que a fé não se fundamenta no que se pode ver, medir ou comprovar; criam que o mundo físico não esgota ou caracteriza a realidade, mas justamente o contrário: “o visível não foi feito daquilo que se vê”.


A questão é que não foram apenas os céticos e cientistas a abandonar o modo narrativo-espiritual de interpretar a realidade. Hoje em dia nem mesmo os religiosos tem verdadeiro acesso ao modo antigo de pensar e de destrinchar o mundo. Nossa transfiguração foi completa. Hoje em dia ateus e agnósticos combatem com argumentos científicos os que defendem uma verdade maior do que a do mundo físico, mas todos – especialmente os religiosos – parecem ignorar que o triunfo do racionalismo contaminou os dois lados da discussão, não apenas os que não creem.


Até mesmo os cristãos compraram a ideia de que se uma afirmação não for factual não há nela nenhuma verdade, e nessa única transação não só negamos todo o mistério que prometemos, mas nos rebaixamos a discutir a verdade nos termos de nossos antagonistas, para os quais a realidade se esgota no que há de mensurável neste mundo.


Por essa razão, muitos cristãos realmente acreditam que sua grande tarefa neste mundo é convencer os céticos de que as histórias de Gênesis ocorreram do modo e na cronologia em que estão narradas, que Jesus nasceu literalmente de uma virgem e ressurgiu corporeamente dos mortos, que sua gentileza quer nos livrar de um inferno físico para um céu físico – porque sentimos que se nada disso for factual, ou se alguma dessas coisas não for factual, a Bíblia não é verdadeira. Que, se essas coisas não forem verdadeiras no sentido de correspondência com o mundo físico, a mensagem cristã é uma absoluta farsa e o evangelho de Jesus um engano que nada tem a nos ensinar e não tem cacife para nos transformar.


É por isso necessário refazer o trajeto uma última vez, para que fique claro que durante mais de mil anos não foi assim. Na maior parte da história do cristianismo não ocorreu aos cristãos que sua tarefa fosse convencer as pessoas do inacreditável – porque, para praticamente todos, ela nada tinha de particularmente inacreditável.


Penso não haver engano em supor que antes da idade Moderna as pessoas, num certo sentido, eram tão céticas quanto somos hoje. Não suponho que estivessem em geral mais preparadas para acreditar na ressurreição dos mortos do que nós. Porém naquele tempo o desafio não seria convencê-las de que milagres acontecem, mas convencê-las de que determinados milagres de fato aconteceram. As leis que vemos hoje como “naturais” não haviam sido tabuladas ou estabelecidas, pelo que eventos miraculosos eram vistos menos como transgressões notórias da realidade do que como parte misteriosa dela – tão estranhos, digamos, como os fenômenos da memória, da imaginação, da reprodução, dos pesadelos, dos sonhos.


Perdemos esse modo integrado de ver as coisas, e é fundamental entendermos que essa foi uma mudança recente. A era Moderna catequizou-nos por completo com o dogma de que o que existe é o universo espaço-tempo, o mundo da massa, da matéria e da energia. Passamos a crer que o que sustenta a complexa realidade não é uma intervenção secreta do mundo invisível, mas um conjunto muito sensato e bastante ortodoxo de leis de causa e efeito que tudo sujeitam e tudo explicam. Em termos gerais, essas leis explicam tudo na nossa experiência, inclusive o que costumávamos chamar de alma e espírito. O mistério que resta é aparente: deve-se às leis naturais que ainda não aprendemos a tabular ou a interpretar.


O curioso é que, de tão catequizados que estamos, perdemos a noção do quanto é absurdo que gente que alegue alguma fidelidade com a tradição cristã compre uma ideia dessas. E a prova que compramos essa ideia está no tempo que gastamos defendendo milagres diante de quem aprendeu a duvidar deles. Se no universo das leis naturais (que representa a realidade última, como todos acreditam, até mesmo nós) milagres simplesmente não acontecem, nós esperneamos para que aconteçam – porque se os milagres da Bíblia não forem todos eles factuais, não há neles nenhuma verdade.


Duvidar da factualidade de um único milagre tornou-se o mesmo que duvidar da legitimidade de toda a revelação: o mesmo que duvidar do próprio Deus.


E enquanto céticos e crentes discutem circularmente sobre a factualidade dos milagres, deixamos de considerar o que consideraram gerações e gerações de cristãos: o que os milagres da narrativa bíblica tem a nos ensinar. Qual é o seu significado. O que representam. Quais são suas implicações na vida real, na minha vida e na sua.


Nosso literalismo, que alimentamos na esperança de preservar o conteúdo da mensagem bíblica, termina por sufocá-lo e apagá-lo por completo. Ficamos discutindo que se Jesus não nasceu literalmente de uma virgem, se não foi concebido literalmente pela divina semente portando o divino DNA, não pode ser tomado legitimamente como Filho de Deus – e perdemos de vista a maravilha e o mistério de que a história conte que o filho crucificado do carpinteiro tenha angariado a fama de filho de Deus, e a tenha angariado também para nós. Argumentamos que Adão e Eva devem ter sido personagens reais abocanhando uma fruta literal, do contrário desmoronaria por completo o edifício do Pecado Original e seu magnífico anexo, o da Redenção – e nisso deixamos de ouvir a história, que conta como a divina misericórdia soube abraçar com toda a maturidade as contradições da liberdade e os horrores sagrados do amor.


Nosso literalismo, ao invés de preservar a mensagem, acaba por nos proteger eficazmente dela; seu papel é devidamente anular qualquer efeito que a revelação poderia ter sobre nós. Quando afirmamos que para demonstrar fidelidade à herança cristã basta crer que essas coisas aconteceram, estamos efetivamente dizendo que nenhuma delas tem implicações. O dilema da fé foi transferido de como reagir ao conteúdo da revelação para simplesmente acreditarmos nele. Deus não morreu, mas é agora indistinguível de Papai Noel. Acreditemos em fadas, se não Sininho pode morrer.


Isso quando, por mil e quinhentos anos, cristãos de todas as estirpes debruçaram-se sobre essa mesma narrativa e ponderaram solenemente de que modo podiam ser efetivamente tocados por ela; pesaram o que verdadeiramente representava o nascimento virginal e a ressurreição; tiveram sonhos e visões, na tentativa de iluminar quais seriam as implicações desses milagres na sua própria experiência. Passaram a vida vasculhando essas histórias em busca da verdade profunda e misteriosa que transmitiam a cada um, enquanto passamos a vida asseverando diante dos outros a verdade que têm na superfície.


Porém milagres de fato acontecem, e nas últimas décadas a modernidade tem se transfigurado lentamente em pós-modernidade. Já há gente sensata falando abertamente contra o regime totalitário do razão, e alguns desses estão sendo ouvidos; o necessário paradoxo é que poucas dessas vozes são de cristãos, aqueles que deveriam ter se mantido mais enfaticamente céticos com relação à suficiência da razão em primeiro lugar.


Mas paciência, basta a cada dia o seu mal. Já há cristãos defendendo abertamente o que por séculos foi tomado como evidente, e que dito hoje poderá soar como heresia: que a verdade da mensagem bíblica e cristã não depende da sua factualidade. John Stott só morreu depois de defender publicamente que a criação em seis dias não deve ser entendida literalmente, e que Deus usou a evolução como seu legítimo instrumento. Outros cristãos lançam resignadamente as bases de uma teologia narrativa (isto é, teologia nenhuma), outros tem visões de um cristianismo secular, ainda outros postulam uma verdade que seja essencialmente parabólica – isto é, transversal, narrativa e profundamente pessoal: aquilo que costumávamos chamar de “espiritual”.


E não há como não enxergar esse princípio nas parábolas de Jesus. O significado de uma parábola – sua intrínseca verdade – não depende da sua factualidade. Insistir no ponto de que as parábolas de Jesus narram “fatos reais”, verificáveis no tempo e no espaço, equivaleria a perder deliberadamente de vista o seu propósito e o seu poder transformador1. Que demônio nos convence a insistir na factualidade – e não no significado – das demais histórias que cercam a boa notícia do evangelho?


Não pode ter sido por acaso, portanto, que Jesus escolheu revestir o seu ensino de um manto metafórico, apresentando-o na forma de pequenas narrativas que destacam diferentes aspectos de uma verdade que não poderia ser contemplada de forma mais direta. As parábolas de Jesus coroam e comprovam o princípio que temos nos recusado, ao longo de toda a era Moderna, a encarar de frente: o de que histórias não necessariamente verdadeiras podem estar absolutamente repletas de verdade.


E a reviravolta da coisa toda está nesse “não necessariamente”. Porque essa nova perspectiva absolutamente não requer que você negue a factualidade da narrativa bíblica. Ninguém está pedindo para você acreditar em milagres, ou para deixar de acreditar neles. Basta que nos deixemos transformar pela narração deles.


Tudo isso encontrei no segundo capítulo de The First Christmas, de Marcus J. Borg e John Dominic Crossan, e parei de ler o livro antes que ele passasse a se ocupar das narrativas propriamente ditas do Natal. Tive de parar, porque notícias tão portentosas requerem a mais solene das pausas.


Porque, se uma narrativa como a do nascimento de Jesus pode afetar-me independentemente da sua factualidade, não tenho mais como escapar dela. Não pode mais proteger-me quer meu ceticismo diante dos fatos descritos, quer minha convicção de que ocorreram exatamente como foram narrados. Se reconheço que a verdade mais essencial de uma história independe da sua correspondência servil com o mundo “real”, aproximo-me da história como se aproximaria dela uma pessoa, e não como faria uma mente desencarnada ou uma razão pura. E uma pessoa é um saco de contradições, mas um saco de contradições que a narrativa certa, ouvida com o devida humildade (isto é, com o devido assombro), pode chegar a balançar. Trata-se menos de almejar uma deliberada ingenuidade do que uma deliberada humanidade. E essa humanidade é precisamente o que requer a apreensão desta história, que fala de um Deus que revestiu-se de humanidade e revestiu a humanidade de um caráter divino.


Tenho sincero pavor de me aproximar da Bíblia com essa postura, porque meu racionalismo e meu filosofismo não tem mais como me manter à salvo dela. Terei de me deparar, como Kierkegaard, com a desolação e a vertigem de estar “sozinho com o Novo Testamento”.


A fé que se requer de mim não é a de acreditar nessa história, mas a de vulnerabilizar-me diante dela. A de deixar-me afetar. A fé passa a ser postar-me como gente diante dos desafios de uma narrativa comum de que posso incrivelmente fazer parte, o desafio de conformar-me e inconformar-me ao fato de partilhar dessa humanidade e dessa imagem de Deus, o desafio de ser quem sabe curado por essa divina perspectiva, essa divina perplexidade.


NOTAS

1 -  O que não impediu um um pastor que conheci de asseverar que todas as parábolas contadas por Jesus (digamos, a do negociante de pérolas e a da centésima ovelha) aconteceram necessariamente na vida real, porque Jesus não se rebaixaria a contar uma mentira. 


Por Paulo Brabo


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O que você não está preparado para ouvir


De tudo que não sinto falta na experiência do cristianismo institucional (e a lista só tende a aumentar) há três ou quatro coisas cuja mera lembrança me leva o estômago a recuar em sincera repulsa. Tanto depois, hesito mesmo mencioná-las.


Aqui está uma: estar numa sala com um ou mais líderes, conversando livremente sobre qualquer assunto, até que alguém interrompe uma pausa com um suspiro e uma observação:


– Mas o povo não está preparado para ouvir isso.


Ou às vezes, com pureza ainda mais declarada de coração:


– Pena que o povo não está preparado para ouvir isso.


Nessa única frase e no silêncio solidário que a acompanhava nos congratulávamos por sermos naquela sala líderes esclarecidos tratando de assuntos controversos que uma parcela dos nossos ouvintes potenciais – dentre eles talvez você, potencialmente imaturo leitor, – não considerávamos pronta para enfrentar. Desejávamos que fosse diferente; queríamos muito que você fosse um cara maduro e que não corresse o risco de desmoronar diante do que teríamos para revelar. Mas a realidade era dura e determinadas coisas sentíamo-nos heroicamente obrigados a calar. Para poupar você.


Testemunhei esta cena tantas vezes, em tantos contextos com tantos protagonistas diferentes, que tenho de concluir que pelo menos metade dos líderes e pastores de todos os matizes (e isso para mencionar só a porção evangélica do cristianismo) propaga e endossa publicamente uma versão menos controversa da sua crença do que aquela que realmente abraça, e escondem essa falsidade ideológica por trás da conveniente piedade de estarem protegendo da confusão e da apostasia a porção mais despreparada (e, supõe-se, mais numerosa) do seu rebanho.


Naturalmente ninguém é obrigado a propagar aos quatro ventos aquilo em que realmente crê; eu mesmo deixei de fazer isso há muito tempo. Mas esses são caras que fizeram de propagar a sua fé a sua vocação e o seu modo de vida; são sujeitos que afirmam que o destino de cada um, inclusive o deles mesmos, depende de se abraçar e de se professar de modo sincero e consistente aquilo em que se crê. E o meu testemunho é este: grande parte desses caras (talvez a maioria) sonega da sua pregação pública aquilo em que realmente acredita. Alegam estar protegendo os mais fracos da controvérsia e da perplexidade, mas nisso protegem apenas a si mesmos. Porque, graças a Deus, o povo não está preparado para ouvir, então ninguém deve dizer.


Na prática isso quer dizer que muitos pastores e líderes estão deixando de partilhar informações, convicções e dúvidas que poderiam se mostrar grandemente libertadoras para pelo menos parte de seus ouvintes. E o fazem protegidos pelo álibi da melhor das intenções.


Para trazer à memória um exemplo espetacular dessa mentalidade, basta lembrar (e que seja entre nós a última vez) a omissão dos três últimos capítulos na edição brasileira de Culpa e graça, de Paul Tournier. Como ficou provado, a porção mais controversa, menos ortodoxa e mais libertadora do livro foi sumariamente sonegada dos leitores brasileiros – isso, porque, sem margem de dúvida, algum punhado de líderes decidiu muito piedosamente que aquilo “o povo não estava preparado para ouvir”.


Renira Cirelli, que foi com sua irmã gêmea uma das tradutoras originais do livro, mandou-me um email alguns dias depois de ler meu artigo sobre o assunto. Sua mensagem, da qual cito a seguir alguns parágrafos, fornece confirmação para uma história que já não se requeria grande esforço para reconstruir:

Brabo, 

Que pena [que você não me contatou antes de escrever sobre o assunto]! Você ficaria conhecendo toda a verdade de uma testemunha ocular, auditiva e dinossáurica desde os idos de 1975 a 76. Isso mesmo, foi quando entreguei a versão completíssima nas mãos dos responsáveis pela Editora da ABU na época. 

Demoraram dez anos para editar e publicar! Fizeram modificações na tradução, não mantiveram o estilo coloquial do Paul Tournier e cortaram os três últimos capítulos por acharem que a ABU seria hostilizada e estigmatizada como universalista.
Entregamos todos os 24 capítulos; não recebemos quase nada pelo trabalho (fizemos mesmo como missão), mas ficamos apaixonadas pelo Paul Tournier (ainda traduzi outra obra dele muitos anos depois). Fiquei muito brava com todos, porque só então descobri que cortariam os três últimos capítulos. Lembro-me como se fosse hoje do diálogo que mantivemos, eu em pé, vinda de ônibus, com um bloco imenso de folhas sulfite datilografadas nas mãos:
“Mas gente, o livro vai ter 18 capítulos sobre culpa e só 3 sobre graça! Vocês já vão alterar bastante o título original. Cada um que leia tudo e tenha seu próprio discernimento. Escrevam uma linha dizendo que a editora não se responsabiliza pelas ideias do autor, sei lá… isso não está certo!”
Voz vencida, mera serviçal do Reino… ainda fiz a tradução e versão das várias cartas daqui pra lá e de lá para cá (entre ABU e Delachaux & Niestlé, na Suíça). As cartas solicitavam a permissão da editora e do autor para serem retirados os três últimos capítulos. Eles concederam a permissão sem muita dificuldade.


Foi só desse modo, com seu conteúdo mais controverso devidamente represado, que o Culpa e graça chegou ao mercado e ao leitor brasileiro. Foi só desse modo que chegou às minhas mãos, talvez às suas: depois que gente mais iluminada do que nós certificou-se que só restava no volume impresso o que estávamos preparados para ouvir.


Culpa e graça foi publicado em 1985, mas fato é que – terceiro milênio adentro – estamos longe de abandonar a mentalidade que levou à mutilação do seu texto, porque ela é alimentada pela nossa própria obsessão em infantilizar e sermos infantilizados. A questão de meses eu conversava com um editor cristão que se via diante de dilema semelhante (e de tentação semelhante) com relação à publicação da tradução de um autor contemporâneo – e tratava-se de um texto em grande parte mais ortodoxo do que o de Tournier.


Ainda resta, e em todos nós, a tentação piedosa de censurar. John Stott era reconhecidamente conservador, mas opinou publicamente que o relato da criação em seis dias não deve ser tomado literalmente, e que o ser humano evoluiu a partir de formas de vida menos sofisticadas. Talvez você compartilhe dessa mesma convicção – mas concordará que essa é uma opinião que “o povo” está “preparado para ouvir”?


Parte do problema, naturalmente, está na importância excessiva doentia que atribuímos à opinião de pastores e líderes – para grande proveito deles, mas com a nossa conivência. É como se, se seu pastor por acaso se declarasse à favor da união entre homossexuais, você mesmo fosse obrigado a concordar com ele – ou a se casar com ele. Como se, se seu líder opinasse que a virgindade de Maria não deve ser entendida literalmente, você devesse imediatamente deixar de se ajoelhar diante de Jesus. Porque, em grande parte, estamos ligados à liderança deles de modo tão infantil que essas reações não seriam tão absurdas quanto parecem. Desprezamos os dogmas do catolicismo, mas apenas porque encontramos em nossos líderes e ortodoxias substitutos à mão.


A própria noção de pastores e líderes requerem que eles sejam mais ou menos infalíveis, e portanto pouco controversos. Além disso, e como observa meu amigo Ivan, ninguém vai querer servir-se de um líder que não se deixe manipular; se os líderes forem sempre sinceros e honestos serão sempre imprevisíveis – isto é, permanecerão inúteis para fins políticos. Em todos os casos, será menos custoso para todo mundo se eles deixarem de dizer o que realmente pensam. Mas a contrapartida é evidente: esse pacto de silêncio acaba apenas perpetuando a infantilidade que o impulsiona e patrocina. Dito mais claramente: enquanto não ouvirem determinadas opiniões, as pessoas jamais estarão preparadas para ouvi-las.


No fim das contas o que você não está preparado para ouvir talvez seja justamente isso: que o seu líder pode estar sonegando de você não só as convicções dele, mas as dúvidas dele – e isso quando por vezes basta uma dúvida compartilhada para promover uma verdadeira libertação. Por vezes a certeza de que mais desesperadamente carecemos é a de não estarmos sozinhos em nossas incertezas.


Um pastor que conheço bem certa vez alertou uma ovelha sua a meu respeito: “O Paulo é gente boa; só cuidado com o que ele escreve”. O sujeito achou aquilo adorável e veio me contar. Tive de alertar eu mesmo: “Seu pastor é muito gente boa; só cuidado com o que ele não escreve“.


O sujeito foi embora devidamente deliciado, e fiquei sozinho matutando o que Jesus teria dito se só tivesse dito o que estaríamos preparados para ouvir.


Por Paulo Brabo


Vi no http://www.baciadasalmas.com/2011/o-que-voce-nao-esta-preparado-para-ouvir/

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

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Como Poderei Ser Feliz no Céu com um Ente Querido no Inferno?



Randal Rauser




Esta pergunta, que seguramente é uma das mais dolorosas que um cristão pode enfrentar, surge de dois ensinos do Novo Testamento: algumas pessoas enfrentarão a punição eterna no inferno (veja Mt 25.46; 2Pe 1.17) e os salvos um dia passarão para um estado onde a tristeza e as lágrimas cessarão (veja Ap 7.17; 21.4).

Mas como podem nossas lágrimas ser transformadas em júbilo enquanto incontáveis outros, incluindo talvez muitos de nossos próprios entes queridos, estarão enfrentando o horror excruciante da condenação eterna?

Uma possibilidade, sugerida pelo teólogo Millard Erickson e pelo filósofo William Lane Craig, é que Deus pode proteger os habitantes do céu do conhecimento do destino dos condenados. Por exemplo, Deus pode apagar as memórias de um filho desobediente da mente de sua mãe, para que ela possa desfrutar de uma plena felicidade inconsciente de que ela até mesmo teve um filho que agora foi condenado. No mínimo, este cenário muito pouco se encaixa na promessa de Paulo de que na eternidade “veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido” (1Co 13.12). E quanto a um homem que foi salvo enquanto todos os seus amigos e família rejeitaram a Cristo? Deus de fato limpará toda a sua memória? Uma outra dificuldade com esta proposta é que passagens como Is 66.24 (“Eles... verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra mim”) parece assumir que os redimidos na verdade estarão conscientes dos perdidos.

Uma segunda possibilidade audaciosamente sugere que esta consciência será causa de alegria e louvor antes que de dor. Por mais que pareça escandalosa, esta posição tem sido defendida por muitos teólogos, incluindo Tomás de Aquino, Jonathan Edwards e, mais recentemente, J. I. Packer. Como Edwards cooca, os redimidos “não ficarão tristes por causa dos condenados; isto não lhes será causa de inquietação e descontentamento; mas, pelo contrário, quando tiverem esta visão, ela lhes excitará louvores jubilosos.”

Pode parecer repugnante, mas a ideia tem um certo apoio bíblico impressionante. Os salmos imprecatórios (como Sl 139.21, 22) parecem antecipar com grande prazer o fim dos perversos. E alguém poderia razoavelmente inferir que os santos que rogam por vingança de seu sangue (veja Ap 6.10) obterão satisfação logo que este julgamento sobre “os habitantes da terra” estiver em andamento.

Finalmente, em Rm 9.23 Paulo parece sugerir que Deus poderia usar os perdidos como lições objetivas para os salvos a fim de ilustrar tanto sua justiça (aos perdidos) quanto sua misericórdia (aos salvos). Tais precedentes bíblicos indefinidos fazem pouco para suavizar a imagem de uma multidão de redimidos deleitando-se na agonia dos perdidos. Como uma mãe poderia possivelmente deleitar-se na condenação de sua filha? Como Paulo, que expressou sua disposição para ser condenado para que os judeus perdidos pudessem ser salvos (veja Rm 9.3), poderia um dia tirar satisfação da condenação deles? Tal cena parece tanto antiintuitiva quanto bastante ofensiva.

Defensores desta segunda opinião podem argumentar que nossa perspectiva no futuro será radicalmente transformada, nos deixando tão completamente focado na santidade de Deus que deixaremos para trás as relações finitas (conforme sugerido pelo ensino de Jesus em Mt 22.29, 30 que não haverá casamento no céu). Após essa transformação radical, poderia algo que agora parece detestável (ficar alegre com o sofrimento dos perdidos) tornar-se prazeroso? Talvez. Entretanto, há uma limite estreito entre ser incapaz de ver como algo poderia ser verdadeiro e ser capaz de ver que algo não poderia realmente ser verdadeiro. Muitos dos cristãos que você conhece aceitariam a ideia que uma perspectiva transformada poderia possivelmente levar ao seu deleite na condenação dos entes queridos perdidos?

Restam poucas outras possibilidades, sendo as mais radicais a rejeição da doutrina do tormento eterno consciente do qual surge todo o problema. Alguém poderia fazer isto adotando o aniquilacionismo (a visão que os perdidos serão finalmente destruídos) ou, mais radicalmente, o universalismo (a visão que os perdidos serão finalmente salvos). O problema é que estas duas opções exigem que alguém se coloque fora das fronteiras da ortodoxia histórica.

Precisamos parar aqui por razões de espaço, mas, obviamente, mais poderia ser dito tanto teologicamente quanto pastoralmente. Se alguém quiser se aprofundar, pode querer ler The Nature of Hell: A Report by the Evangelical Alliance Commission on Unity and Truth Among Evangelicals (escrito por um grupo da Aliança Evangélica no Reino Unido). Talvez também considere Gregory Beale, e outros, Hell Under Fire (Zondervan, 2004) ou William Crockett, ed., Four Views on Hell (Zondervan, 1997). Parece provável que a resolução final deste problema, como tantos outros na teologia cristã, permanecerá frustrantemente além de nossa compreensão. Mas essa admissão pode também fazer a pergunta se voltar para nós: Confiamos em Deus?


Tradução: Paulo Cesar Antunes



sexta-feira, 19 de agosto de 2011

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Profissão de fé


Prefiro um ateu que ama o próximo a um devoto que o oprime. Não creio no deus dos torturadores e dos protocolos oficiais, no deus dos anúncios comerciais e dos fundamentalistas obcecados; no deus dos senhores de escravos e dos cardeais que louvam os donos do capital. Nesse sentido, também sou ateu.

Creio no Deus desaprisionado do Vaticano e de todas a religiões existentes e por existir. Deus que precede todos os batismos, pré-existe aos sacramentos e desborda de todas as doutrinas religiosas. Livre dos teólogos, derrama-se graciosamente no coração de todos, crentes e ateus, bons e maus, dos que se julgam salvos e dos que se creem filhos da perdição, e dos que são indiferentes aos abismos misteriosos do pós-morte.

Creio no Deus que não tem religião, criador do Universo, doador da vida e da fé, presente em plenitude na natureza e nos seres humanos.

Creio no Deus da fé de Jesus, Deus que se aninha no ventre vazio da mendiga e se deita na rede para descansar dos desmandos do mundo. Deus da Arca de Noé, dos cavalos de fogo de Elias, da baleia de Jonas. Deus que extrapola a nossa fé, discorda de nossos juízos e ri de nossas pretensões; enfada-se com nossos sermões moralistas e diverte-se quando o nosso destempero profere blasfêmias.

Creio no Deus de Jesus. Seu nome é Amor; sua imagem, o próximo.


Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff,
de “Mística e Espiritualidade” (Vozes), entre outros livros.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

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Parábola usada para aterrorizar os crentes





Uma das passagens mais usadas para aterrorizar os crentes é a parábola das Dez Virgens. De acordo com a interpretação de alguns pregadores, a parábola indica que apenas uma porcentagem dos crentes em Jesus participariam do Arrebatamento, e os demais seriam deixados para trás. Se formos um pouco mais literais, somente 50% dos crentes serão realmente salvos. Os demais estão entre os imprudentes, que serão pegos de surpresa, despreparados, e por isso, inaptos para subir com Cristo.



Será que tal interpretação faz jus àquilo que Jesus intentava dizer aos Seus discípulos?


Nessa parábola, Jesus está falando da chegada do reino, e não de Sua segunda Vinda. E o Seu reino foi inaugurado ainda em Seu primeiro advento.
O texto diz que “o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo” (Mt.25:1).


Sôa até estranho, se não atentarmos para o contexto cultural da época. Estaria Jesus defendendo algum tipo de poligamia? Por que “dez virgens”, em vez de apenas uma? Teria Jesus mais de uma noiva?


As virgens da parábola não seriam desposadas pelo noivo. Elas eram como “madrinhas” da noiva. Fazia parte do ritual de bodas judaicas, o encontro das “madrinhas” virgens, com o noivo, para acompanhá-lo até a noiva.


Ora, o noivo da parábola representa o próprio Cristo. E a noiva, embora não figure na parábola, é a Igreja. Quem seriam, então, as virgens? Elas representam o povo judeu.


É interessante que em outra passagem, João Batista se apresenta como “o amigo do Noivo”. Além das virgens madrinhas, o noivo também era assistido por um amigo, geralmente, aquele que fosse considerado o melhor amigo. Assim como não podemos confundir o noivo com o amigo do noivo, também não podemos confundir a noiva com as dez virgens.


Ao ser confundido com o Cristo, João respondeu: “Eu não sou o Cristo, mas sou enviado adiante dele. A noiva pertence ao noivo. O amigo do noivo, que lhe assiste, espera e ouve, e alegra-se muito com a voz do noivo. Essa alegria é minha, e agora está completa” (Jo.3:28b-29).


De acordo com o protocolo, as virgens madrinhas deveriam sair ao encontro do noivo, portando lâmpadas devidamente acesas.


Segundo a parábola, dentre as dez virgens, cinco eram prudentes, e cinco eram insensatas.
“As insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo. Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, com suas lâmpadas. Demorando o noivo, todas elas acabaram cochilando e dormindo” (Mt.25:3-5).


Repare no detalhe: todas elas acabaram dormindo. Ficaram desatentas, e cochilaram. A diferença entre elas era o suplemento extra de azeite que cinco delas haviam trago. Portanto, a questão não era apenas de vigilância, como bradam os pregadores, mas de prevenção e prudência. Ser prudente aqui, é ser precavido.


Por isso, não parece razoável usar esse texto para amendrontar os crentes, fazendo-os duvidar de sua salvação, temendo que o Senhor lhes flagre “dormindo”.
Paulo escreve acerca disso em sua primeira epístola endereçada à igreja em Tessalônica:


“Mas, irmãos, acerca dos tempos e das épocas, não necessitais de que se vos escreva, pois vós mesmos sabeis muito bem que o dia do Senhor virá como o ladrão de noite (sem aviso prévio) (...) Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Todos vós sois filhos da luz, e filhos do dia. Nós não somos da noite, nem das trevas. Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios. Pois os que dormem, dormem de noite, e os que se embriagam, embriagam-se de noite. Nós, porém, que somos do dia, sejamos sóbrios (...) Pois Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação por nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nís, para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele” (5:1-2,4-8a, 9-10).


É claro que devemos “vigiar”, isto é, estar atentos, para que não sejamos surpreendidos. Entretanto, quer vigiemos ou durmamos, nosso encontro com o Senhor é garantido. O risco é o de sermos pegos de surpresa, e não o de sermos condenados.
Voltando à parábola:


“Mas, à meia-noite ouviu-se um grito: Aí vem o noivo, saí ao seu encontro” (Mt.25:6).


Esse “grito-convocação” foi o grito dos profetas, dos quais, João foi o último expoente. Apenas parte do povo judeu deu ouvidos ao alarde profético. A outra parte se manteve surda e insensível ao apelo de Deus. Faltava-lhes o azeite, a luz, a revelação. Seu coração foi endurecido.
Paulo compreendia bem tal situação, pois a havia testemunhado. Em sua última investida evangelística direcionada aos judeus, o apóstolo dos gentios se viu profundamente decepcionado com seus patrícios.


Segundo o relato de Atos, dentre os judeus que vieram ao seu encontro em Roma, “alguns foram persuadidos pelo que ele dizia, mas outros não creram” (28:24). Os que criam eram as virgens prudentes, e os que desdenhavam eram as virgens insensatas. Suas lâmpadas estavam apagadas. Lucas diz que eles “discordaram entre si, e começaram a sair, havendo Paulo dito esta palavra: Bem falou o Espírito Santo a nossos pais pelo profeta Isaías: Vai a este povo, e dize: Ouvindo, ouvireis, e de maneira nenhuma entendereis; vendo, vereis, e de maneira nenhuma percebereis. Pois o coração deste povo está endurecido; com os ouvidos ouviram pesadamente, e fecharam os olhos, para que jamais vejam com os olhos, nem ouçam com os ouvidos, nem entendam com o coração, e se convertam e eu os cure” (Atos 28:25-27).


Dentre os filhos de Israel, somente o remanescente pôde entrar no Reino de Deus. Quem são os remanescentes? Os que deram ouvidos ao grito profético, e foram ao encontro do Noivo. Isso é confirmado por outras passagens, como aquela que Paulo menciona aos Romanos: “Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo”( Rm.9:27).


Somente os que atentarem para as profecias, e se derem conta de que elas falam de Jesus de Nazaré, e confiarem em Sua provisão para a salvação, serão, de fato, salvos.


Ninguém será salvo por pertencer a uma etnia, ou por ter o sangue de Abraão correndo em suas veias.


É Paulo quem declara: “Tenho declarado tanto aos judeus como aos gregos que devem se converter a Deus, arrepender-se e ter fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At.20:21).


Por todo o livro de Atos encontramos o cumprimento da parábola das virgens. Em Antioquia, por exemplo, “muitos dos judeus e dos prosélitos devotos seguiram a Paulo e Barnabé, os quais, falando-lhes, exortavam-nos a que permanecessem na graça de Deus”(At.13:43). Esses equivalem às “virgens prudentes”. Mas logo abraixo no texto, lemos que “os judeus, vendo a multidão, encheram-se de inveja, e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava” (v.45). Esses equivalem às “virgens insensatas”.
A parábola prossegue:


“Então todas aquelas virgens se levantaram e prepararam as suas lâmpadas. E as insensatas disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite; as nossas lâmpadas se apagam. Mas as prudentes responderam: Não seja o caso que nos falte a nós e a vós. Ide antes aos que o vendem, e comprai-o” (Mt.25:7-9).


De quem elas deveriam comprar o azeite? Onde encontrariam a luz de que suas lâmpadas necessitavam? Com a palavra, Simão Pedro, o apóstolo da circuncisão:


“E temos ainda mais firme a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que ilumina em lugar escuro, até que o dia clareie, e a estrela da manhã surja em vossos corações” (2 Pe.1:19).


Revelação não é algo que se possa receber de terceiros. Não há como terceirizá-la. Tem-se que buscar na fonte. Podemos adquirir informação através de outros, mas só adquiriremos “azeite” para nossas lâmpadas, se buscarmos diretamente na fonte. Por isso Jesus insistia: “Examinai as Escrituras...”


Por muitos séculos, os judeus negligenciaram a Palavra. Por isso, foram incapazes de reconhecer o Messias, quando Ele apareceu nas ruas da Galiléia.


Quando procuraram por Paulo em Roma, queriam um pouco de azeite para suas lâmpadas, mas a porta já se havia fechado. Como disse Jesus, o Reino lhes fora tirado, e entregue a um outro povo, a igreja. Somente os remanescentes “entraram com ele para as bodas”.
Para esse “remanescente”, a porta sempre estará aberta. Como bem afirmou o apóstolo: “Assim, pois, também agora neste tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça” (Rm.11:5).


Como vimos, a parábola das virgens jamais teve a intenção de causar pânico aos seguidores de Cristo. Não estamos nem entre as cinco prudentes, nem entre as cinco insensatas. Somos a única noiva do Cordeiro, aquela que está sendo preparada para ser apresentada “como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo” (2 Co.11:2).


Christus Victor!



Por  Hermes C. Fernandes